O desvio produtivo do consumidor. Nova ferramenta em defesa do cidadão

Alcides da Fonseca Neto - Foto: Divulgação

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No meu artigo de algumas semanas atrás, eu enfoquei o conceito do “dano moral” e o defini como uma ofensa a algum dos direitos da personalidade ou direitos personalíssimos, tais como a vida, a integridade física, a liberdade, a saúde, a honra, a intimidade e o nome. Igualmente afirmei que os citados direitos personalíssimos constituíam uma categoria aberta, pois não estavam predeterminados, de modo que outros poderiam surgir à medida que o pensamento jurídico evoluísse, como aconteceu com o conceito moderno de “dano temporal”.

O meu artigo de hoje aborda justamente o dano temporal, que se fundamenta na chamada teoria do “desvio produtivo do consumidor”, que não é nova na doutrina, mas que foi acolhida pela jurisprudência nos últimos anos e trouxe imensos benefícios para todos os consumidores brasileiros.

De fato, através da teoria do desvio produtivo do consumidor, de forma bem singela, busca-se reconhecer o prejuízo irreversível que o consumidor tem quando busca resolver os problemas causados pelo próprio fornecedor, isto é, o consumidor adquiriu um produto ou um serviço defeituoso e o fornecedor não resolveu o problema, de modo que o consumidor foi obrigado a gastar o seu tempo de vida na tentativa frustrada de solucionar o problema que não causou, mas que foi criado unicamente pelo próprio fornecedor.

Assim, o consumidor gastou o seu tempo vital, atributo da personalidade, pela prática abusiva do fornecedor e do evento danoso dela resultante. Pela teoria citada, aceita pela jurisprudência, o tempo na vida de uma pessoa constitui um bem extremamente valioso, cujo desperdício se afigura como irrecuperável.

Portanto, o aludido tempo vital, é atributo da vida, de forma que é também um direito da personalidade, o que significa dizer que a sua violação importa na caracterização de dano moral indenizável, independente do outro dano moral causado pela lesão do fornecedor decorrente do produto ou serviço danoso prestado pelo fornecedor.

Além disso, apenas para que o leitor tenha uma ideia da importância desta teoria, entre 2014 e 2018, aumentaram em 1400% as sentenças no Tribunal de Justiça que concederam dano moral pelas horas gastas para a resolução de conflitos criados por fornecedores, segundo dados do Anuário da Justiça do Rio de Janeiro de 2019.

Além do mais, somente este colunista, cujo trabalho é julgar os recursos, aplicou a apontada teoria, no ano de 2018, onze vezes, reformando as sentenças e beneficiando os consumidores, com a concessão de dano moral.

Antes da teoria do desvio produtivo do consumidor ganhar fôlego na jurisprudência, a maioria negava os direitos dos consumidores com a velha e surrada fundamentação do “mero aborrecimento”, que significa dizer que algo é simples, desimportante e, portanto, não deve ser indenizável.

Esta tese do “mero aborrecimento” ainda é utilizada, mas perdeu força depois que o próprio Órgão Especial revogou a Súmula 75 que lhe dava um cunho de obrigatoriedade, o que acabou contrariando interesses poderosos de conglomerados econômicos que, evidentemente, são contra qualquer teoria, qualquer jurisprudência que reconheça direitos do consumidor.

Nosso próximo desafio, como eu já tive a oportunidade de escrever, é convencer os magistrados da importância de reconhecer a função punitiva do dano moral como forma de que as indenizações aplicadas contra as grandes empresas, efetivamente, representem um valor que as estimulem a corrigir os péssimos produtos que vendem ou os maus serviços que prestam. Esta é a verdadeira luta a ser travada pelos consumidores.

Enquanto isto não acontecer, o consumidor será apenas um número a ser inserido na planilha do mau empresário/fornecedor, pois continuará sendo mais barato para ele incluir o valor da indenização irrisória em sua planilha de custos do que produzir um produto de boa qualidade ou um serviço de bom nível.

Alcides da Fonseca Neto é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, titular da 24ª Câmara Cível do TJRJ