País atravessa uma crise profunda desde 25 de setembro, quando eclodiram inúmeros protestos, impulsionados por jovens da Geração Z, indignados com os constantes cortes de eletricidade e água
O líder do golpe de Estado ocorrido na terça-feira passada em Madagascar, coronel Michael Randrianirina, foi empossado nesta sexta-feira (17) como “presidente para a refundação da República de Madagascar” e prometeu uma “reconstrução nacional”. Sem o uniforme militar e vestido com um terno escuro, gravata azul e camisa branca, Randrianirina fez o juramento de posse durante uma cerimônia na sede do Tribunal Constitucional Superior na capital, Antananarivo, com a presença de representantes do corpo diplomático credenciado nessa nação insular no sudeste da África.
“Perante Deus, o país e o povo, juro solenemente defender a Constituição, desempenhar minhas funções com honra e dignidade, defender a integridade do território nacional, garantir os direitos humanos fundamentais, preservar a unidade nacional e promover o bem-estar do povo malgaxe”, disse o novo chefe de Estado.
O coronel é o líder do Corpo de Administração de Pessoal e Serviços do Exército de Terra (CAPSAT), a poderosa unidade militar de elite que depôs o presidente Andry Raojelina, que fugiu do país.
Randrianirina anunciou na terça-feira, do Palácio Ambotsirohitra, sede da presidência na capital, a supressão da Constituição e a tomada do poder em resposta à grave crise gerada pelos protestos populares desde 25 de setembro. O golpe derrubou Rajoelina, que havia fugido do país, mas ainda relutava em apresentar a renúncia exigida pelos protestos dos jovens.
Randrianirina anunciou que seria criado um conselho composto pelo Exército, pela Gendarmaria e pela Polícia Nacional, ao qual poderiam se juntar civis, e que teria um prazo máximo de dois anos para “reconstruir as bases da nação”. Ele também garantiu que, como parte desse processo de transição, “será realizado um referendo constitucional”.
“Estamos em um ponto de inflexão em nossa história porque, como os eventos recentes mostraram, é realmente o povo que está exigindo a revolução. Desde a independência, o povo malgaxe tem lutado e se sacrificado por uma vida melhor”, analisou o coronel nesta sexta-feira em seu discurso de posse. “No entanto, 60 anos depois, somos um dos países mais pobres do mundo, por isso a Geração Z, com o apoio do povo, saiu às ruas para exigir a reconstrução nacional. Eles também estão exigindo a resolução dos problemas socioeconômicos”, enfatizou.
No curto prazo, o novo presidente prometeu resolver “os problemas que enfraquecem a sociedade malgaxe, em especial energia, acesso à água potável, saúde e educação”. “Em médio prazo, organizaremos uma consulta nacional para a revisão da constituição e da lei eleitoral”, acrescentou.
Em termos de governança, ele antecipou que será implementada “uma política de austeridade” e que “os gastos serão concentrados nas necessidades reais da população, evitando gastos desnecessários e desperdício de recursos públicos”. O coronel também pediu apoio da comunidade internacional “nesta fase crucial da história do povo malgaxe”.
Condenação internacional
A comunidade internacional condenou o levante militar. O secretário-geral da ONU, António Guterres, repudiou na quinta-feira a mudança “inconstitucional” de governo em Madagascar e pediu o retorno à ordem constitucional e ao Estado de Direito.
Na quarta-feira passada, a União Africana (UA) suspendeu Madagascar de todas as atividades da organização até que a ordem constitucional seja restaurada. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), um bloco regional de 16 países, expressou seu “alarme” com o golpe, que descreveu como uma “grave ameaça” à paz, à estabilidade e à ordem democrática no país.
Madagascar atravessa uma crise profunda desde 25 de setembro, quando eclodiram protestos em massa, impulsionados por jovens da Geração Z indignados com os constantes cortes de eletricidade e água.
As mobilizações evoluíram para um movimento antigovernamental exigindo a renúncia de Rajoelina, acusado de corrupção, nepotismo e desvio de recursos públicos, e que reluta em deixar o poder apesar da pressão nas ruas.
Antes do golpe de terça-feira, Madagascar havia sofrido três golpes de Estado desde sua independência da França: 1972, 1975 e 2009. O CAPSAT esteve envolvido no golpe de 2009, que derrubou o então presidente, Marc Ravalomanana, e levou Rajoelina ao poder pela primeira vez.
Por Nícolas Robert - Jovem Pan
Foto - Henitsoa Rafalia/EPA/EFE