Professor da UFF estuda a espionagem no Brasil

Artigo investiga as máquinas de criptografia manipuladas para espionagem - Foto: Pixabay

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As comunicações secretas de quase todas as nações do mundo são transmitidas através de equipamentos criptográficos - utilizados na cifragem e decifragem de mensagens - há mais de meio século. Entre as décadas de 1950 e 1990, a empresa suíça Crypto AG era a maior fornecedora em nível mundial dessas máquinas, que guardavam diálogos confidenciais e informações sigilosas de mais de 120 países. Em fevereiro de 2020, o jornal Washington Post revelou que a companhia era controlada pela Central Intelligence Agency (CIA/EUA) e os aparelhos eram fraudados e manipulados para fins de espionagem contra os seus próprios clientes.

Interessado em investigar a parceria da agência americana com a empresa suíça e as interferências no Brasil, o professor do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST/UFF) Vitelio Brustolin, juntamente com os docentes Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Alcides Eduardo dos Reis Peron, da Universidade de São Paulo (USP), publicaram há pouco mais de dois meses na revista acadêmica Cambridge Review of International Affairs o artigo "Exploring the relationship between Crypto AG and the CIA in the use of rigged encryption machines for espionage in Brazil" (Explorando a relação entre a Crypto AG e a CIA no uso de máquinas de criptografia manipuladas para espionagem no Brasil). Além da CIA, o artigo apresenta evidências históricas e documentais do controle da agência de inteligência alemã BND (Bundesnachrichtendienst) sob a Crypto AG. A empresa suíça passou a colaborar com essas agências de inteligência em 1958 e foi adquirida por elas em 1970. A condução das atividades da CIA na empresa era compartilhada com outra agência estadunidense, a National Security Agency (NSA). Diante desse contexto, o professor Vitelio explica que é preciso reescrever décadas de história com base no que a CIA e o BND sabiam e nas ações e omissões de seus respectivos países em relação a esse golpe de espionagem.

"As agências controlavam a Crypto AG, sendo que a CIA se impõe sobre seus parceiros alemães. A inteligência norte-americana desenvolvia a tecnologia das máquinas de criptografia, sabotava os algoritmos para que se tornassem decifráveis e escolhia os alvos para vendas. Assim, as mensagens secretas dos países, que deveriam ser criptografadas, eram ouvidas sem nenhum problema pelos estadunidenses e pelos alemães. Além disso, pelo menos quatro países estavam a par da natureza das operações ou receberam informações coletadas: Israel, Suécia, Suíça e Reino Unido", relata o docente.

Para Vitelio, a capacidade de decifrar rapidamente a criptografia das mensagens enviadas pelos países que utilizavam os equipamentos foi uma enorme vantagem para os Estados Unidos e Alemanha. "Alguns exemplos internacionais foram marcantes, como a crise dos reféns na invasão da Embaixada dos EUA no Irã, em 1979, quando autoridades americanas puderam acompanhar conversas sigilosas entre diferentes governantes iranianos. A fraude nas máquinas também permitiu que os americanos fornecessem informações secretas do governo argentino aos britânicos durante a Guerra das Malvinas, em 1982, o que colaborou para a derrota da Argentina".

O docente relata que os gestores estadunidenses vendiam máquinas adulteradas inclusive para países aliados, enquanto os parceiros alemães eram mais reticentes em relação a tais procedimentos.