Trincheira entre sonhos e sobrevivência

Bira Marquês - Secretário Executivo de Niterói - Foto: Divulgação

Cidades
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Por Bira Marques*

Num cenário inóspito, onde a infância é roubada pela necessidade de sobrevivência todos os dias, Gabriel, de apenas 12 anos, encontrou o Natal. A foto do menino negro no lixão de Pinheiro, no Maranhão, capturada pelo fotógrafo João Paulo Guimarães, encontrando uma árvore natalina enquanto catava lixo para ajudar sua mãe, é um triste retrato da desigualdade no Brasil, tão aprofundada pela pandemia do novo coronavírus. O pequeno Gabriel não sabia, mas ali, naquele pequeno instante de alegria, em meio ao lixo, aos caos e ao abandono, ele reivindicava seu direito de sonhar.

A imagem nos desperta para uma realidade dura de encarar. É uma ironia entre o olhar de esperança daquela criança, ao encontrar um pequeno enfeite torto e com luzes quebradas, e toda a prosperidade que o Natal representa. Gabriel, que deveria estar brincando e estudando, desde às 7h já disputava espaço com os urubus para ajudar a levar sustento para sua casa. Uma trincheira entre sonhos e sobrevivência.

A foto viralizou e causou perplexidade na internet, fazendo enxergar um Brasil que não está muito longe dos nossos olhos. Mas não é só o Gabriel. Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais de 19 milhões de brasileiros passavam fome em dezembro de 2020, enquanto mais da metade da população brasileira (55%) sofria algum tipo de insegurança alimentar. São milhões de crianças e famílias que convivem com a miséria e o descaso, num lugar onde a dignidade não encontra caminho para chegar.

Na mesma velocidade em que as imagens se propagam nas redes sociais, elas também são esquecidas. Quantas vezes teremos que ver cenas de pessoas madrugando em filas à espera de ossos, catando restos em caminhões de lixo ou implorando por comida? Mais do que curtidas e compartilhamentos, essas pessoas, sobretudo os mais jovens, precisam de ação! Gabriel, Ana, Maria e tantas outras crianças vivem na invisibilidade de um país com políticas públicas de combate à desigualdade quase nulas. Que futuro esperar para elas?

Não compactuo com essa visão de que o trabalho, desde cedo, ensina uma criança. É uma total inversão de valores. Toda criança precisa ter seu direito à infância, saúde, educação e sobrevivência garantido. Niterói vem desenvolvendo uma série de políticas voltadas ao cuidado com a primeira infância, integrando a iniciativa internacional Urban95. Estudos revelam que é na primeira infância que as crianças desenvolvem o aprendizado, a sociabilidade e a afetividade. Nossa cidade está focada na defesa de um desenvolvimento pleno e igualitário para as nossas crianças para que, no futuro, tenhamos uma sociedade mais justa.

Não há caminho mais transformador senão a Educação, e é nessa forte ferramenta de transformação social e redução das desigualdades que Niterói investe. O Poupança Escola, programa que faz parte do Pacto Niterói Contra a Violência, é uma dessas iniciativas, que busca dar um mínimo de renda para o início da vida social e profissional dos jovens, sem que, para isso, eles se vejam "obrigados" a sair da escola. Uma ação que, através de um aporte financeiro, incentiva jovens de famílias mais pobres da nossa cidade a concluírem o Ensino Médio. Agora, tramita na Câmara de Vereadores uma mensagem executiva do prefeito Axel Grael que amplia o programa para estudantes do Ensino Fundamental.

Em julho, o prefeito de Niterói assinou o termo de adesão à Busca Ativa Escolar, que apoia governos na identificação de crianças e adolescentes fora da escola ou em risco de evasão escolar. É uma estratégia fundamental, sobretudo depois de uma pandemia que trouxe danos incontáveis à Educação brasileira.

É dever da administração pública combater esse problema e garantir os direitos fundamentais de uma criança. Mas, como seres humanos, todos temos a missão de buscar justiça social para esses jovens e tirá-los da invisibilidade. Afinal, não é esse retrato do Gabriel, um cartão natalino da fome e do desprezo, que queremos para o nosso país.