Águas cristalinas

Dom José - Foto: Thiago Maia/ Divulgação

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Dom José Francisco*

Ainda pensando na Ascensão do Senhor, o século passado assistiu a várias ascensões.

Pela primeira vez, um homem - brasileiro e mineiro - Santos Dumont, deu uma volta sobre os parisienses num aparelho mais pesado que o ar, com prognóstico positivo de subida e descida, são e salvo.

Pelo final do mesmo século, outros homens orbitaram o espaço sideral e aterrissaram na Lua, tirando-lhe, constrangedoramente, a sua paz imemorial. Do mesmo jeito que subiram, desceram: nada mais além disso.

Houve ascensões menos inteligentes. Alguns sistemas políticos ascenderam, causaram celeuma, e despencaram com a mesma arrogância com que haviam se instalado nas alturas imaginárias do poder.

Aliás, desde a mais arcaica mitologia grega, o sonho de Ícaro não nos abandona - nem que seja com asas de cera e pena, desafiando o Sol. O mito tornou-se inclusive alusivo à aventura humana, quando desconectada das suas origens e das suas tendências derradeiras, cuja culminância não pode depender de asas artificiais cerosas e frágeis. Há de haver coisa melhor.

Nossa inteligência e nossa espiritualidade são nossas asas: pois, então, que sejam fortes e nos sustentem.

Podemos prescindir de religião formal, mas jamais de comunhão e de espiritualidade. O espírito é importante demais para ser abandonado a quaisquer traficantes de espiritualidade. Segundo Schopenhauer, o homem é um animal metafísico; eu diria, espiritual. Essa é nossa maneira de habitar o universo ou o absoluto que nos habita. Não ter religião não proporciona nenhum motivo para renunciar à vida espiritual.

Esse é o sentido da Ascensão de Jesus, celebrada logo ali atrás: o de nos lembrar sempre que devemos estar prontos para voltar às origens divinas, à nascente do rio, de águas tão cristalinas quanto humanas.