Pandemia jurídica: estamos no fim?

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Sem dúvida o ano de 2020 é, foi e será marcado indelevelmente pela pandemia do Covid-19.

Traçando um paralelo com a mitologia grega, a quarentena e o recolhimento aflorou a convivência com a família e consigo próprio. Muitos se apegam às suas crenças, o que nos leva a uma das doze divindades olímpicas que é designada como patrona ou padroeira do lar, Hestia. Daí surge a expressão lareira, porque tem proximidade com o fogo que aquece, acolhe e nos faz manter o foco. Hestia era a Deusa da família, do Estado e das cidades. Cada residência tinha uma lareira como símbolo do culto doméstico. Consagra-se a ideia da família como grupo social e político representando a perenidade do Estado. Cada família se reúne em volta de sua lareira nessa quarentena, mas e depois? Como será o novo normal?

Sem dúvida a pandemia exigiu medidas extraordinárias no mundo todo para um momento excepcional.

No campo jurídico, países e continentes editaram leis que, em outras circunstâncias, nunca seriam editadas. Parece que os efeitos são como se estivéssemos em Estado de Guerra.

Não é possível supor quando chegaremos ao fim, qual será o impacto do vírus letal e de rápido contágio. Quando haverá uma vacina confiável. Se ela será anual (como a da gripe) ou duradoura (como a da febre amarela).

Parece que as eleições arrefeceram um pouco a disputa política do protagonismo das boas ações do combate ao covid-19 e a terceirização do impacto negativo dos maus resultados. Nada novo no Brasil. O mosquito da dengue ainda paira na memória do povo: afinal o mosquito é Federal, é dos Estados ou Municípios?

Pois bem, no caso, o STF, todos sabem, é que tem proferido a última palavra em vários assuntos, como aliás é a sua missão constitucional, afirmou que à União Federal se destina as normas gerais e todo o resto, todo detalhamento fica a cargo dos Estados e Municípios.

Aprovou-se a Lei Nacional da Quarentena em fevereiro, seguida pelo decreto que a regulamentou e por ações imediatas e decisivas de Estados e Municípios a fim de evitar que a rede pública hospitalar entrasse em colapso. Assim, direitos fundamentais foram relativizados para preservar a vida e saúde. No rol das exceções limitou-se o direito de locomoção, o direito à autonomia e o direito a livre iniciativa, com ressalvas às atividades essenciais. Em nenhum momento houve paralisação severa da economia. As indústrias mantiveram sua produção, o agronegócio cumpriu o cronograma de abastecimento do mercado interno e externo, usinas, reservatórios e hidrelétricas operaram normalmente e os supermercados e farmácias permaneceram de portas abertas.

Tão logo os efeitos deletérios da doença sejam amenizados (e controlados), as leis extraordinárias devem cessar para dar lugar ao resgate de direitos suprimidos temporariamente. O que virá na sequência passa pelo restabelecimento das atividades econômicas na plenitude, da construção de pontes jurídicas que facilitem as negociações de dívidas e créditos, e de um projeto de governo que garanta a recuperação de empresas e o fomento de empregos. Como já foi dito, o mundo não será mais o mesmo. Esperamos que venha a bonança depois da tempestade. Mas é preciso que os efeitos do impacto das medidas ocorridas durante a pandemia não sejam varridos para debaixo do tapete.

Pois bem. O debate entre salvar vidas ou salvar a economia parece ter também entrado numa inevitável acomodação, pois ninguém nega a evidência de que a miséria e a fome matam tanto quanto o covid-19.

Não há uma preocupação com as medidas necessárias para o momento seguinte. Como será o novo normal. O Estado de Calamidade vai, segundo a Lei Federal de fevereiro desde ano, até 31/12/2020. Falta pouco. Não seria o caso de começar-se a pensar o que deve ser mantido, o que deve ser prorrogado e o que deve ser revogado porque já cumpriu seu papel?

Sem dúvida todos esperamos a imunidade do rebanho, que ocorrerá quando a maior parte da população que produziu os anticorpos estiver imune ou na vacinação daqueles que não foram infectados (aliás a vacina não pode ser obrigatória para aqueles que já tiveram o vírus)...

A OMS não recomenda a busca por uma imunidade do rebanho antes da existência de uma vacina, pois não se sabe ainda por quanto tempo uma pessoa que foi infectada e produziu os anticorpos estará imune. Fala-se numa segunda onda. Será? Talvez não. Quase certo que não, mas não custa precaver-se.

Entretanto, não podemos abandonar por completo as lições aquilatadas em torno de cada lareira, porque as famílias são o núcleo político da nova cidade, que irá nascer tão logo exsurja o novo normal...