Vidas importam

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Moiras na mitologia grega eram os três irmãs que determinavam o destino tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Durante o trabalho, as Moiras fazem o uso da roda da fortuna, que é o tear utilizado para tecer os fios. Na Ilíada representavam uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredi-la sem interferir na harmonia cósmica.

Vida é um conceito que se admite diversas definições. Pode-se referir ao processo em curso do qual os seres vivos são uma parte, ao espaço de tempo entre a concepção e a morte. Então considerando a concepção como o início e a morte como um termo final, a vida é o tempo de duração entre esses dois marcos.

Etimologicamente vida é um substantivo, pois não atribui característica a nada para ser um adjetivo e nem expressa ação para ser verbo. Vida é vida.

Quando alguém voluntariamente ou não, suprime uma vida, como na mitologia, interfere no destino e na harmonia cósmica. Chamamos isso de homicídio ou assassinato, que é o primeiro crime definido no Código Penal (art.121).

O legislador definiu que o atentado à vida é o primeiro bem jurídico a ser protegido no Código Penal. Contudo, recentemente, cometeu o mesmo equívoco que vem sendo cometido ao longo da história: "adjetivou" a vida. Estabeleceu que o homicídio praticado contra o nascituro chama-se aborto (art. 124 do CP), em alguns casos infanticídio (art. 123); se for praticado contra mulher, feminicídio e por aí segue...

Como colocado por Cassius Clay em uma histórica e memorável entrevista para BBC, os anjos são brancos (não apenas anjos) assim como Tarzan, na África, era branco (e falava com os animais, embora os africanos estivessem lá séculos antes dele e não tinham esse dom), assim como a residência do Presidente dos EUA se chama casa branca e por aí vão... os adjetivos desnecessários...

Entretanto, observem (e isso não tem nada a ver com a existência do racismo que se trata de uma descriminação velada e direta) que nas entrelinhas acabam postando uma mensagem subliminar que dia a dia vai deixando no subconsciente das pessoas a existência de uma diferença.

Quando se fala vidas negras importam, se quer dizer que as vidas brancas não importam? Claro que não! Mas nas entrelinhas se deixa ou se pode deixar a mensagem: há diferenças de tratamento entre as vidas negras e as outras vidas.

Quando se faz uma celebração com o objetivo de lembrar que determinada vereadora morreu há 1000 dias e não se teve ainda um julgamento, se quer dizer que os outros casos não julgados, talvez até mais antigos, não são importantes? Não! Mas qual a mensagem que fica?

Quando políticos exigem a investigação e pressionam as autoridades para se punir um crime praticado contra duas crianças numa comunidade, se quer dizer que outras pessoas que morreram na mesma comunidade (ou em outras) em situações semelhantes não tem importância?

Quando um "suposto" marginal (porque está a margem da Lei) pratica um homicídio contra um policial e nenhum político ou os mesmos políticos citados não se manifestam, a mensagem que fica é que a vida do policial vale menos? Claro que não. Mas qual a mensagem que fica no subconsciente da população? E na mente dos policiais?

Exemplos múltiplos podem ser citados aqui, porém acreditamos que o que realmente importa são as vidas: as que foram tiradas e as que continuaram existindo após...

Dessa forma, longe de se procurar rótulos para as vidas e mais longe ainda se utilizar dos fatos para palanques ou manifestações ou qualquer tipo de política é preciso tratar do assunto como ele deve ser tratado: vidas importam. Quem cometeu o crime que responda por ele e, se condenado pela justiça, que cumpra a pena. A família sobrevivente deve ser amparada pelo Estado, conforme a Lei dispuser e pela solidariedade das pessoas, inclusive da imprensa. As autoridades, os políticos, e, de novo, a imprensa não deve tratar diferentemente os casos de acordo com quem é suspeito da prática do crime ou conforme a profissão ou status social da vítima.

A Lei, somente ela, deve ser a grande diretriz para quem estiver na função de timoneiro. E por falar em Lei, deve ser estudado uma ampla reforma legislativa para evitar que também nos códigos e decretos se encontrem mensagens, palavras ou expressões subliminares. Vidas importam. Nenhuma mais do que outras. Mas todas com especial atenção de todos que tem o dever objetivo de cuidar delas.

As características de cada ser vivo, bem como o status, não podem ser utilizados como fator de diferenciação, como preconceito ou como diretriz para atuação de uma forma ou de outra. Fatos relevantes não podem ser utilizados por grupos de esquerda, direita ou movimentos diversos. Ao contrário. Neste momento todos deveriam se unir porque vidas importam. Voilá.