Fake news e democracia, um jogo perigoso

Fábio Nogueira é secretário-geral adjunto da OAB-RJ - Foto: Divulgação

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O fortalecimento das redes sociais, e sua capacidade para influenciar pessoas e mentes, transformou as fake news e, especialmente, a disseminação de notícias falsas em caso de polícia, em processos judiciais e em tema de discussão na sociedade. O mais importante, contudo, é o poder que as fake news ganharam ao interferir em processos eleitorais e seus efeitos sobre a democracia.

“De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade.” A máxima do pai da propaganda nazista, Joseph Goebbels, continua a valer, agora com peso redobrado graças ao poder que alcançaram as redes. “Parece que as pessoas não acreditam nos fatos”, lamentou o maior linguista vivo, o norte-americano Noam Chomsky.

A lógica dos regimes autoritários do “caluniai, caluniai, caluniai” dissemina em milésimos de segundos acontecimentos inventados e meia verdades, fotos montadas, imagens distorcidas, “memes” maldosos. Essa anomalia enfraquece o jogo democrático e nada contribui para o debate público. 

A liberdade de expressão é uma garantia constitucional, mas não um cheque em branco para se atingir a honra, a moral e a imagem de qualquer um, especialmente em períodos eleitorais, seja na imprensa seja nas redes sociais. “A liberdade de expressão tem mão e contramão”, alertava o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Não por acaso, o avanço social, o fortalecimento da democracia e a manutenção de direitos individuais e da sociedade dependem do uso correto, e ético, da informação. 

A disseminação de notícias desvirtuadas, imagens distorcidas, frases inventadas afetam os resultados de uma eleição, atingem candidatos, formam opiniões, influenciam votos, provocam polêmicas, rompem amizades, dividem famílias. Isso vale para o ontem, o hoje e o amanhã.

Afinal, fake news existem desde sempre. Na disputa eleitoral de 1945, os apoiadores do marechal Eurico Gaspar Dutra distorceram uma fala do brigadeiro Eduardo Gomes, que concorria com ele à presidência da República, e conseguiram ganhar a eleição. O brigadeiro disse que não precisava do voto “dessa malta que apóia o ditador”, referindo-se aos servidores públicos que seguiam Getúlio Vargas. “Malta” também significa “marmiteiros”. Os apoiadores de Dutra disseminaram que Eduardo Gomes não gostava dos pobres, os marmiteiros. E ele perdeu nas urnas. 

O escritor irlandês Jonathan Swift já advertira que “a falsidade voa e a verdade vem a coxear atrás dela”. Com o tempo e o avanço das redes sociais, criou-se uma série de mecanismos capazes de construir (in)verdades que se fortalecem durante os períodos eleitorais. As mais diversas tecnologias, meios e aplicativos são usados para criar realidades falsificadas, meio adotado por governantes nem sempre democráticos, como Nicolas Maduro, na Venezuela, e Tayyip Erdogan, na Turquia. A velocidade das redes poucas vezes permite prevenir, ou advertir, para a mentira disseminada pelo uso matemático de algoritmos e robôs. 

A nós, democratas, cabe levantar a bandeira do Direito para enfrentar a realidade falsificada. E fazer valer a lei. E a lei que temos fortalece a luta contra as inverdades eleitorais. O artigo 323 do Código Eleitoral estabelece que é crime “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado”. E aí se enquadram as fake news.

O ministro Luiz Fux, do STF, já disse que “fake news e democracia não combinam”, pois uma notícia fraudulenta causa danos irreparáveis a candidaturas e à sociedade como um todo. Para ele, notícias falsas atentam contra os princípios da democracia e da soberania popular. 

Fake news influenciaram no passado, interferem no presente e são uma ameaça ao futuro da democracia. Merecem combate, o bom combate.