Recuperação judicial, retrato da crise

Wagner Bragança é advogado tributarista e mestre em Direito Constitucional - Foto: Divulgação

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WAGNER BRAGANÇA

Com a lenta recuperação econômica, as empresas enfrentam cada vez mais dificuldades para sobreviver, e os pedidos de recuperação judicial - a que recorrem na tentativa de ganhar fôlego para continuar operando - crescem de forma acelerada. Grandes, médias ou pequenas, não importa, recorrem à Justiça, em um processo que dura dois anos, como prevê a lei, e exige sacrifícios, mas permite, às que conseguem cumprir um cronograma doloroso, sobreviver, embora muitas se percam no caminho e vão mesmo à falência.

Dados do Serasa Experian de Falências e Recuperações mostram que os pedidos de recuperação judicial somaram 1.408 no ano passado, um pouco menos do que os 1.420 de 2017, mas ainda assim muito altos. A maioria dos requerimentos (871) foi de micro e pequenas empresas, 327 foram de médias e 210, de grandes. Em junho deste ano, os pedidos cresceram 89,7% em comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com empresa de dados de crédito Boa Vista.

A poderosa Odebrecht é o processo mais exemplar do ano. Maior empreiteira brasileira, está em recuperação judicial e dia sim, dia também, senta na mesa com os bancos credores, que ficam de fora da lista dos que têm a receber e cobram o pagamento imediato de suas dívidas para o processo andar na Justiça.

No caso, os bancos têm ações da Braskem, a empresa mais rentável do grupo, em garantia dos financiamentos que concederam e podem vender esses papéis para recuperar o dinheiro. A empresa pede aos bancos mais 10 meses, e pode até conseguir esse prazo, pois as instituições financeiras entendem que um processo organizado de venda da Braskem pode render mais para eles do que a venda agora, com as ações em baixa.

É só um caso para ilustrar o quanto um processo de recuperação é tenso, tanto para as companhias quanto para os credores. Com mudanças em análise no Congresso, a Lei de Recuperação Judicial em vigor ainda tem outros nós para desatar na prática.

O Superior Tribunal de Justiça iniciou, segunda-feira, um julgamento que pode desatar mais um nó da lei e decidir se o processo de recuperação suspende o leilão de bens para o pagamento de dívidas com a União. Duas seções do mesmo STJ divergem sobre o tema. A 1ª seção, de direito público, privilegia o pagamento dos tributos. A 2ª seção, de direito privado, entende que a recuperação deve ser preservada e é contrária ao leilão de bens para o pagamento de dívidas com a União, estados e municípios em detrimento de outros credores, como os empregados. O caso está sendo decidido na Corte Especial.

Enquanto isso, os processos se sucedem na Justiça. No último dia 18, foi aceito o pedido da varejista de material de construção BR Home Centers, dona das redes Casa Show e TendTudo, aqui do Rio. A empresa chegou a ter 26 lojas no país, hoje são 14. No mesmo dia, um tradicional grupo sucroalcooleiro paulista, o Moreno, entrou também com requerimento de recuperação judicial. Já são 100 as empresas do setor de álcool e açúcar que recorreram ao processo para tentar se manter em atividade nos últimos anos.

A recuperação judicial não atinge apenas credores e funcionários, mas também afeta os consumidores. Vale lembrar que durante o período, a companhia deve se reestruturar, organizar as finanças, mas continua operando. Os clientes, contudo, podem deixar de receber alguns serviços, mas jamais parar de ser atendidos.

Como o processo de recuperação judicial é público, é divulgado em documentos oficiais da Justiça, embora nem sempre o consumidor seja avisado de cada passo pela empresa ou desse acesso fácil ao processo. No caso de a companhia dever ao usuário a entrega de um produto ou bem adquirido, o ideal é os dois lados chegarem a um acordo. Não sendo possível, o cliente deve levar o caso à Justiça. Dá trabalho, mas assegura seu direito de receber.

Como já anotamos aqui, em artigo anterior, em 14 anos de existência, a Lei de Recuperação Judicial e Falências provou ser eficiente, mas precisa ser aperfeiçoada. O substitutivo do deputado Hugo Leal (PSD-RJ) ao projeto de lei 10.220, apresentado durante o governo de Michel Temer, já está em análise pelos congressistas.

O texto original do projeto ficou mais enxuto e, se aprovado, o processo de recuperação será mais rapidamente analisado pela Justiça. Um alento diante da lentidão de nossa atividade econômica e do interesse sempre crescente dos investidores estrangeiros sobre empresas em dificuldades que operam em áreas estratégicas para nosso desenvolvimento e vivem hoje esse processo de recuperação judicial.