O Estado redesenhado em três projetos de emendas à Constituição

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

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Wagner Bragança

O Plano Mais Brasil entregue pelo governo ao Congresso durante a semana é ambicioso. As propostas de três emendas à Constituição recebidas pelo Senado, são apenas parte de um projeto muito maior, a ser completado, no futuro, por outros duas PECs e um projeto de lei que têm o objetivo, a longo prazo, de reformar o Estado brasileiro. E o Estado brasileiro precisa mesmo ser transformado: envelheceu, se endividou, empobreceu. Custa muito, gasta mal, não atende a população, falha na prestação de serviços.

As PECs do Pacto Federativo, a Emergencial e a dos Fundos Público, no conjunto embutem mudanças muito boas. O Brasil precisa, efetivamente cortar despesas em caso de emergência fiscal, descentralizar os recursos para fortalecer Estados e municípios, acabar com cidades sem capacidade para se sustentar, usar (e bem) o dinheiro parado em mais de 280 fundos públicos que somam R$ 220 bilhões, reduzir subsídios e isenções para setores que estão longe de precisar deles. Presidente, governadores e prefeitos devem mesmo ter mais liberdade para definir as despesas com servidores públicos.

As propostas, contudo, esbarram na realidade. Sabemos o quanto é longo, cheio de negociações, o caminho de um projeto de emenda constitucional no Congresso. São dois turnos de votação em cada uma das Casas, maioria de três quintos dos votos (308 na Câmara e 49 no Senado) para aprovar.

Serão debatidas em ano eleitoral e, não por acaso, uma delas já é natimorta: a de extinção de 1.254 municípios com menos de 5 mil habitantes e incapazes de arrecadar pelo menos 10% de suas receitas totais, dependentes de repasses rotineiros da União. Incluída na PEC do Pacto Federativo, o fim dessas cidades, que seriam incorporadas pelos municípios vizinhos, põe por terra também redutos eleitorais caros a deputados e senadores e cabos eleitorais estratégicos - os vereadores locais. A ideia já era catalogada como o "bode na sala", foi incluída para sair, mas foi abandonada antes mesmo do início da discussão. Uma pena: os moradores teriam muito mais condições de ser atendidos em suas necessidades básicas de residissem em cidades mais prósperas e sustentáveis.

O governo federal calcula que vai repassar R$ 400 bilhões nos próximos 15 anos para os Estados e os municípios, recursos que virão de futuros leilões de petróleo. Vão receber mais, mas terão de aprender a gastar melhor. Não serão mais compensados pelas isenções fiscais de ICMs nas exportações de semimanufaturados. Não poderão mais levantar empréstimos, renegociar as dívidas com a União, receber créditos bancados pelo governo central. Uma mudança radical na cultura de governar que impera no país desde sempre.

O próprio governo federal será levado a se reinventar. A dívida pública federal terá um limite fixado em lei complementar, uma regra que vai restringir o dispêndio público. O Orçamento da União vai programar as despesas por vários anos, impondo um horizonte para os gastos futuros. Além disso, até 2026 os incentivos fiscais e isenções - que atualmente correspondem a 4% do Produto Interno Bruto - devem cair à metade e o governo vai deixar de recolher R$ 307 bilhões anuais. Em resumo, o Brasil vai reaprender a viver com menos e gastar melhor. É claro, se tudo isso não for modificado por deputados e senadores.

As PEC Emergencial e do Pacto Federativo preveem um ponto que deve provocar polêmica e a mobilização contrária de servidores públicos: o corte de até 25% de seus salários, com redução proporcional da carga horária de trabalho por até dois anos, medida a ser adotada em período de crise. Impede também promoções. E vale para todos os entes federativos, ou seja, para servidores municipais, estaduais e federais. A medida é justificada e preventiva, especialmente porque o país já vive uma crise financeira e a União não pode se endividar para pagar despesas correntes, descumprindo a regra de ouro.

Esses três projetos de emenda constitucional serão complementados nos próximos dias por mais duas PECs - a da reforma administrativa, para reorganizar o funcionalismo público, vai para a Câmara; e a tributária, que deve reestruturar o sistema de impostos, taxas e contribuições do país, será encaminhada para uma comissão mista de deputados e senadores. Um projeto de lei, que também vai para a Câmara, definirá as regras para as privatizações das empresas públicas.

Este ambicioso redesenho do Estado brasileiro deve merecer toda nossa atenção até o recesso parlamentar em dezembro e ao longo do ano que vem. Temos uma chance de ganhar um Brasil mais responsável, um Estado menos gastador, criar uma geração de administradores competentes e políticos com uma visão mais realista de nosso país para as próximas gerações.