O futebol empresa está chegando

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

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WAGNER BRAGANÇA

Em tempos de Flamengo bicampeão da Libertadores, do Brasileiro e de olho no Liverpool, mirando o mundo, os clubes de futebol encaram o futuro sabendo que terão de mudar. E muito. O plenário da Câmara aprovou na noite da quarta-feira (27), por 246 votos a 94, o projeto de lei que cria incentivos para os clubes se transformarem em empresas.

A votação foi simbólica e o texto agora segue para o Senado que também já analisa um outro projeto - prevê a criação de um novo sistema do futebol brasileiro, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), com normas de governança, controle e transparência, instituição de um sistema tributário facultativo e meios de financiamento para permitir aos times a captação de mais recursos.

Os dois textos pretendem modernizar o sistema de administração do futebol brasileiro, nos moldes já adotados, com sucesso, no Chile e na Argentina e, em especial, pelos clubes europeus. Parece bom, mas muitos dos atuais dirigentes dos times nacionais veem os projetos com desconfiança, com o respaldo da poderosa CBF.

Só para se ter uma ideia, eles não estiveram na Câmara na quarta-feira e o projeto aprovado lá só recebeu o apoio do Botafogo e do Athletico mineiro, clubes que já tem estudos prontos para se tornarem empresas. Corinthians, Santos, Fluminense e Vasco não aderiram porque há resistências internas dos dirigentes e dos conselhos deliberativos. Flamengo, São Paulo e Palmeiras não têm interesse em mudar seguindo o modelo do texto aprovado.

Aqueles que têm poder nos times sabem que, ao adotar o modelo empresarial, que no caso do projeto relatado pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) - que teve a colaboração do advogado Pedro Teixeira, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-RJ—é opcional, os clubes terão de passar a recolher impostos e a sobreviver sem recursos do governo.

O texto, ao contrário do que está sendo analisado no Senado, afirma que o clube-empresa poderá escolher o modelo LTDA (Limitada) ou S/A (Sociedade Anônima, com ações negociadas na Bolsa) e terá de recolher 5% sobre a sua receita bruta para quitar três tributos de uma só vez: o Imposto de Renda, a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). O projeto permite reduzir a tributação de 5% para 4%, desde que o clube tenha projetos sociais e desenvolva categorias de base no futebol feminino.

Em 2018, os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro acumularam uma receita de R$ 5 bilhões com cotas de televisão, vendas de atletas, arrecadações com bilheterias, mensalidades de sócios e patrocinadores. Com uma tributação de 5%, pagariam ao governo em torno de R$ 250 milhões por ano.

O projeto votado na quarta-feira foi alterado horas antes de ir ao plenário. A versão anterior oferecia a possibilidade de um refinanciamento de dívidas com a União em até 150 meses (12 anos e seis meses). O prazo foi reduzido para 60 meses (cinco anos), mas os descontos foram mantidos. A parcela mínima é de R$ 3 mil por mês. Há possibilidade de pagar em parcela única e com redução de 95% dos juros e 65% das multas, além da isenção dos encargos legais.

Se for aprovado pelos senadores e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro será o segundo refinanciamento fiscal concedido pela União para as equipes na década. Em 2015, o Profut (Programa de Modernização da Gestão de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro) oferecia refinanciamento de 240 meses (20 anos), descontos de 70% das multas e 40% dos juros e isenção dos encargos legais. Apesar disso, o endividamento dos clubes pulou de R$ 2,7 bilhões, em 2009, para R$ 7,3 bilhões em 2018.

Outra vantagem é a possibilidade de os clubes entrarem com pedido de recuperação judicial, previsto para as empresas na Lei de Falências em vigor desde 2005, que dá a eles prazo e condições para superar a crise financeira sem deixar de existir. E também altera a Lei Pelé e direitos trabalhistas dos atletas com salários a partir de R$ 11,5 mil: 20% do salário será regido pelas normas da CLT e os outros 80% ficam sujeitos às regras do contrato de direito de imagem.

O Projeto de Lei nº 5.516/19, do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), em trâmite no Senado, prevê a criação de um novo sistema do futebol brasileiro, com base na regulamentação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Permite também os clubes superar a crise financeira porque aumenta as possibilidades para que ganhem receitas e captem recursos com a emissão de debêntures ou outro título ou valor mobiliário, mas terão de adotar modernas regras de governança, como a publicação na internet, por dez anos, das demonstrações financeiras, que devem ser submetidas a auditorias externas independentes.

Como o projeto votado pela Câmara, o do Senado também prevê a criação de um sistema tributário, o "Re-Fut", cuja opção sujeita a SAF ao recolhimento único de 5% da receita mensal, unificando todos os impostos e contribuições. Também permite o benefício da recuperação judicial.

Ambos os projetos modernizam os clubes de futebol brasileiros e abrem as portas para profissionalizar a gestão para que ganhem em desempenho no campo, mantenham nossos jogadores no país, valorizem nossos passes mundo afora. E continuem a fazer as torcidas vibrarem nos estádios. E fora deles.

Sem fronteiras.