Calamidade no Noroeste fluminense – impactos dos eventos da natureza nas finanças públicas e na responsabilidade fiscal

Cássio Rodrigues Barreiros - Foto: Divulgação

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A pluviosidade no mês de janeiro já é usualmente mais elevada no verão, mas neste ano, particularmente, o volume de chuvas na Região Sudeste, principalmente em Minas Gerais e no Noroeste fluminense foi muito elevado, causando terríveis danos aos habitantes de tais regiões. O cidadão, diante de uma situação de completa impossibilidade fática contra os reveses impostos por tais eventos (enchentes, falta de abastecimento etc.) procura o Estado, notadamente, a Municipalidade, que, em tais regiões carece de recursos suficientes para resolver com urgência as situações repentinas e anômalas que ocorrem. Em tal contexto, o ente Município fica automaticamente enredado pela situação de calamidade, que gera impactos financeiros imediatos.

A questão que se impõe é definir o que é calamidade, e qual seu reflexo financeiro, ou seja, o que é a calamidade financeira, que pode gerar a possível decretação do ‘estado de calamidade financeira’. No Estado do Rio de Janeiro, diversas circunstâncias conduziram ao estado de calamidade financeira, destacando-se a crise na economia brasileira aprofundada em 2015; a desaceleração da economia da China, que, por sua vez, causou a queda nos preços das commodities (o preço do Petróleo era cerca de US$100,00 em 2006, passando para cerca de US$30,00 o barril em 2016). Os Municípios fluminense sofreram consequências de tal cenário de crise: queda de arrecadação por reflexo da queda nos repasses estaduais e federais (FPM, Cota-parte do ICMS) e na arrecadação referente aos royalties; atraso no pagamento de servidores; e crescimento dos níveis de endividamento.

A fórmula jurídica adotada para o Estado foi pioneira para a decretação do estado de calamidade financeira, ou seja, a calamidade financeira foi reconhecida pela Lei estadual nº 7483 de 2016. No início de 2017, vários Municípios do Estado do Rio de Janeiro também decretaram estado de calamidade financeira, pois alguns prefeitos assumiram em 01 de janeiro, mas não havia recursos para gerir a máquina pública e prover os serviços essenciais naquele momento.

Devido ao impacto do Estado do Rio de Janeiro no PIB nacional, e ainda tendo havido outras unidades da Federação com situação financeira bastante periclitante, o Congresso Nacional elaborou a Lei Complementar nº 159 de 19 de maio de 2017, que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal. A principal dificuldade financeira é a ausência de um conceito jurídico para ‘calamidade financeira’ para possibilitar a decretação de seu estado. Em minuciosa pesquisa, Gilmar Brunizio coloca a seguinte questão: “...o estado de calamidade financeira, atualmente, não é reconhecido pelos Poderes Legislativo, Judiciário e pelos órgãos de controle externo...sua regulação é urgente e relevante para proporcionar segurança jurídica aos gestores públicos que o decretam.”[2] Além desse indiscutível problema, acrescenta o fato de que a Lei do Regime de Recuperação Fiscal não prevê que os Municípios possam aderir a tal regime.

Cabe destacar que o Regime de Recuperação fiscal tem por objetivo: “para fornecer aos Estados com grave desequilíbrio financeiro os instrumentos para o ajuste de suas contas. Dessa forma, ele complementa e fortalece a Lei de Responsabilidade Fiscal, que não trazia até então previsão para o tratamento dessas situações.” Ou seja, não tem relação direta com qualquer tipo de calamidade, seja desastre natural ou mesmo má gestão das contas públicas em si, mas sim com a possibilidade da União, ente que maior poder financeiro, poder auxiliar, por meio de um plano de recuperação.

Indaga-se o seguinte: por qual motivo não poderiam os municípios fluminenses, que passam por terríveis condições de calamidade natural, associado ao fato de terem sido prejudicados pela situação fiscal do Estado do Rio de Janeiro, não ingressarem em recuperação fiscal? Não se trata apenas de se usufruir da situação jurídica da calamidade pública prevista no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal 4 , mas sim de um ‘regime de recuperação’, com um plano sustentável, ainda mais se se considerar a difícil situação em que se encontram os citados Municípios.

Não se trata de utilizar o instituto de forma desvirtuada, para não cumprir com compromissos fiscais, tendo por pretexto um desastre natural, mas enfrentar as condições, não só fiscais, mas econômicas e financeiras, para se recuperar a situação fiscal e das finanças públicas de tais Municípios.

A proposta que se apresenta é a de reformulação da Lei Complementar nº 159 de 2016, incluindo a possibilidade dos municípios se recuperarem, em especial, os municípios fluminenses do noroeste do Estado, cujo cataclisma aprofundou a crise local. A proposta poderia estabelecer que os pedidos incluem um exame pela Secretaria do Tesouro Nacional em regime de urgência.

Por fim, não se trata do estado de exceção, mas coadunando-se com que Giorgio Agambem explica: “Na verdade, o estado de exceção não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico...”. Ou seja, o Direito, em tal situação excepcional, deve se inserir no campo político e econômico para que atinja fins desejados pela sociedade.

Cássio Rodrigues Barreiros, doutorando em direito pela UVA, mestre em direito pela UVA, especialista em direito público pela FEMPERJ, advogado e chefe de gabinete da secretaria de estado da casa civil e governança