Um sonoro "Não" para a censura

Fábio Nogueira é secretário-geral adjunto da OAB-RJ - Foto: Divulgação

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FÁBIO NOGUEIRA

Parece coisa de novela, mas não é. Ou é? Emanuel Jacobina, autor de Malhação - Toda Forma de Amar (com colaboração de Cláudio Lisboa, Márcio Wilson, Bíbi Da Pieve e Jô Abdu) jamais imaginou que uma das histórias vividas pelos alunos de uma escola da Baixada Fluminense fosse virar realidade. Virou.

Na novela, dois grupos disputam a representação dos alunos no colégio e um deles defende defenestrar da biblioteca livros considerados impróprios para adolescentes, como Capitães da Areia, de Jorge Amado, e Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues. Pois é. No último dia 6, a Secretaria de Educação de Rondônia decidiu transformar em realidade a fantasia (ou alerta?) de Emanuel Jacobina e distribuiu um memorando e uma lista de livros a serem recolhidos das escolas por conterem "conteúdos inadequados" para crianças e adolescente.

A notícia viralizou e a reação foi tamanha que a secretaria voltou atrás, mas a tal lista incluía 43 títulos, livros de Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca, "O Castelo", de Franz Kafka, "Macunaíma", de Mário de Andrade e "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis —os dois últimos obras sempre incluídas em vestibulares.

Cinco dias depois, o jornal Folha de S. Paulo informou que o governo paulista também montou seu pacote de livros vetados de um projeto de estimulo à leitura que funciona em penitenciárias do Estado. Na relação, havia obras de Gabriel García Márquez, de Albert Camus, do cubano Leonardo Padura e da americana Harper Lee. Em sua defesa, o governo de São Paulo alegou que faz um rodízio de títulos nas penitenciárias e diz ser possível que "no futuro", a tal lista entre "para remição pela leitura".

Há quem apoie esses vetos, tanto os do governo de Rondônia quanto os do paulista. Mas censura está fora de cogitação. A Constituição é clara sobre isso. O artigo 5º em seus parágrafos IV e IX e o artigo 220 vedam a censura. Asseguram a liberdade de expressão, a manifestação do pensamento, a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Para referendar, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, ao comentar o memorando da Secretaria de Educação de Rondônia, não deixou dúvidas: "Se um caso deles chegar ao Supremo, cai na mesma hora".

A Academia Brasileira de Letras reagiu com igual vigor. "A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura. É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibido", afirmou em nota sobre a decisão da secretaria de Rondônia.

Tal indignação tem razão de ser. O regime militar que perdurou por duas décadas impôs a censura à imprensa e aos livros que considerava subversivos, imorais ou perigosos por conceitos tortuosos e ditatoriais. Os programas governamentais de compra de livros escolares seguiam normas rígidas, conservadoras e restritivas.

Esse ciclo levou anos para ser rompido e tudo que não podemos aceitar é qualquer coisa que nos leve a retornar a esse passado. Livros compõem a estrutura básica da formação cultural, intelectual e política de uma população. Preservam as memórias e as histórias dos povos, são essenciais para a educação. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer os definiu como a "quintaessência de um espírito". Nosso grande poeta Mário Quintana foi além: " Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas".

Hoje as folhas de papel estão disponíveis em todas as plataformas digitais. O acesso à leitura é fácil, incensurável. Basta um click. Os limites vêm naturalmente da família, das escolas e professores, pela idade e interesses, pela profissão, pela ideologia, pelas tribos, pelas amizades... E nesse conjunto, é óbvio, escolas e professores são fundamentais e governos, parte essencial.

Livros ampliam conhecimentos, abrem mentes, desafiam raciocínios, ampliam a criatividade, contextualizam fatos e acontecimentos, sedimentam debates, aprofundam histórias, formam gerações para o futuro. Por isso, censura é sempre abominável. Não por acaso a Constituição de 1988 fez tanta questão de ressaltar este fato. Não por acaso, nossa história do passado - que não é tão distante assim - mostra que devemos estar sempre atentos. Não por acaso o presidente do STF avisou que censura a livros jamais será aceita pela Corte Suprema. Não por acaso a ABL bradou contra o ódio à cultura. Não à censura. Sempre!