O uso do vernáculo no Direito

Dr. Guaraci de Campos Vianna é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Guaraci Campos Vianna

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Pitágoras dizia que os números governam o mundo. De fato, não se consegue imaginar alguma coisa que não possa ser expressa matematicamente em números: quilograma, quilômetro, gigabyte (memória), dinheiro, peso, altura, numeração de artigos de leis, das próprias leis, idade, até o alfabeto tem 26 letras; enfim, se os números governam o mundo, o vernáculo governa o Direito.

Não há muitas profissões que exigem do profissional um conhecimento tão profundo das regras gramaticais e das técnicas relacionais como o Direito.

Não se quer aqui desprezar as outras ferramentas, as outras ciências e as outras atividades, igualmente importantes e, por vezes, essenciais para o exercício de uma profissão ligada ao direito e nem tampouco à importância do conhecimento do vernáculo para o exercício das demais profissões. É obvio que qualquer profissional deve dominar a Língua Portuguesa para expressar corretamente seus pensamentos, suas ideias, suas pretensões e estabelecer comunicação com as demais pessoas.

Entretanto, no caso específico do profissional do Direito, exige-se um pouco mais de domínio da Língua Portuguesa, porque ele está lidando com o direito alheio e, muitas vezes, com a liberdade dos indivíduos.

O discurso jurídico defende ou acusa, busca a obtenção de um direito ou a reparação de um prejuízo, determina, numa lide, numa disputa, em um processo, quem tem razão. Isso se faz por meio da palavra escrita. A palavra falada também é utilizada no discurso, embora não tão frequente.

Com isso pode-se dizer que a forma é mais importante que o conteúdo. O mais cristalino direito, mesmo que líquido e certo, sequer será apreciado pelo juiz, se o advogado que representar não souber expressar-se de forma correta, com domínio da técnica e do direito, ou seja, mesmo que exista o direito, pode perder a sua causa se o seu pedido carecer de correção gramatical.

Explica-se: toda ação judicial, todo processo se inicia com uma peça denominada "Petição Inicial" (art. 319 do Código de Processo Civil) e esta será indeferida (o juiz não vai apreciar seu conteúdo quando for inepta - art. 330 do mesmo diploma legal) e, considera-se inepta a petição inicial, dentre outros motivos ali enumerados, quando "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão" (inciso III) ou "contiver pedidos incompatíveis entre si" (inciso IV).

Então, o advogado precisa dominar a linguagem escrita para escrever suas peças processuais de forma clara e objetiva. O juiz de direito, da mesma forma (como os demais profissionais que atuam na área jurídica), para elaborar sentenças convincentes e fundamentadas.

O domínio da língua é tão importante que o artigo 192 do Código de Processo Civil dispõe que: "em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso correto da Língua Portuguesa" (contestação, certidões dos oficiais de justiça, sentença, recursos, laudos periciais, etc).

Digno de nota é o disposto no art. 78 do CPC, que dispõe: "É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados".

É claro que ninguém tem o dom da inerrância e não se pode ter uma intransigência no julgamento do uso correto da língua nativa nas peças processuais. Não se pode chegar ao extremo de indeferir um recurso interposto por um advogado quando teve sua inicial indeferida porque não acentuou as palavras, visto que o vernáculo exige correção gramatical quanto à acentuação gráfica. Parece exagero. Pequenos equívocos apensar desqualificar o profissional, podem ser tolerados.

Contudo, é preciso que se destaque a existência de alguns erros que não podem ser cometidos, como "o estrupo ocorre na escola...", no lugar de estupro. Estrupo é barulho e estupro é um crime previsto no Código Penal. Muda todo o sentido do contexto. Assim ocorre também com a supressão de alguns elementos essenciais a uma determinada peça, como a inépcia de uma denúncia (petição inicial de uma ação penal proposta pelo Ministério Público) por falta do pedido de condenação; enfim, cabe a cada juiz ter o bom senso e a sagacidade de distinguir as causas de real impossibilidade de emenda à inicial daquelas irregularidades que podem ser corrigidas ou toleradas.

Não se trata de utilização de linguagem rebuscada ou incompreensível, ao contrário. A correção gramatical é fundamental para o profissional do direito, que deve manejar com toda segurança a Língua Portuguesa e seu conhecimento jurídico, juntamente com a ética e o caráter, para ser considerado um excelente profissional e ter sucesso no competitivo mercado.