O nascituro como sujeito de direitos

Dr. Guaraci de Campos Vianna é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Guaraci Campos Vianna

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Dominava entre os juristas a visão estoica segundo a qual a alma é o ar infiltrado no corpo, apenas sai à luz, e, por conseguinte, enquanto este não nasce, supõe-se que faz parte das entranhas da mãe, do mesmo modo que o fruto pregado à árvore.

Destarte, surgiu a denominação "nascituro" para aquele que irá nascer, ou seja, o feto durante a gestação. Para os romanos, o nascituro não era ser humano: não preencheu ainda o primeiro dos requisitos necessários à existência do homem: o nascimento. Mas, mesmo assim, desde a concepção já era protegido o nascituro. Pelas leis e pelo direito (a lei 11.804/2008 põe a salvo direitos do nascituro).

Com a evolução social dos costumes romanos passou-se a punir também a mulher pela provocação do abortamento por se entender uma ofensa ao direito do marido à prole esperada.

Decaindo o Império Romano, ascendeu o cristianismo, que reputava ao feto, ainda no ventre materno, um ser, no sentido rigoroso do direito ou, pelo menos, uma entidade a quem a sociedade devia proteção.

Decorrente dessas ideias históricas, o direito moderno admite duas concepções para valorar juridicamente a vida que se forma: a mais antiga, vigorante desde a Idade Média, segundo a qual o feto é uma spes personae, ou uma vida humana em formação e a outra que vê o feto um ser completo que passa por fases naturais.

Apesar de o Direito ser especificamente social, é a biologia que responderá à indagação: "quando começa a vida? Cabe ao jurista dar o enquadramento legal. O embrião está para a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios de desenvolvimento de um mesmo e único ser: o homem, a pessoa. O nascituro é um ser dotado de personalidade jurídica civil. Sim, o nascituro é sujeito de direitos, mas seus direitos não são condicionados. Tem ele o direito primário à vida e com ele todos os subsequentes (art. 227 da CF/88).

Tanto isso é certo que desde o Direito Romano existe a figura do curador ventris, hoje encampada pelo art. 1779 do Código Civil que impõe, nas condições ali especificadas, a nomeação de um curador ao nascituro. Veja-se também, v.g., a capacidade de aquisição de patrimônio dos seres concebidos (art. 1798 do CC). O nascituro pode receber doação (art. 542 do CC) ou seja, antes do nascimento, o filho adquire direitos. Se ele adquire direitos é porque tem personalidade civil. Não importa se ele exerce esses direitos através de terceiro (representado) porque assim é até os 16 (dezesseis) anos de idade.

Antes da vigência da Lei 8069/90, por certo, a maioria dos doutrinadores teria como ponto pacífico que o fato que pôr a salvo os direitos do nascituro não significa a outorga da personalidade.

Todavia, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), ao dispor sobre a proteção integral à criança e ao adolescente (art. 1º), afirma que a criança é a pessoa até 12 (doze) anos incompletos (art. 2º). Sendo que se forma na concepção e, por isso, o início da proteção integral se dá ainda quando feto, e a partir do primeiro sinal de vida no ventre materno quando começa a personalidade do nascituro.

Reforça ainda mais esse entendimento a redação do art. 7º d ECA que assegura a proteção à vida e a saúde da criança mediante efetivação de políticas sociais e públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Logo o ser, convém repetir, tem o direito de continuar vivo após o nascimento, tem o direito de nascer com vida, e esse direito é absoluto e prioritário, sem exceções.

A personalidade civil do nascituro é tão evidente que a Lei 11.804/2008 garante alimentos à gestante fundado na existência individual à vida intrauterina (alimentos gravídicos, a partir da concepção), os quais são percebidos pela mãe, mas destinados ao embrião, ao filho. Essa obrigação alimentar se estende desde a concepção ao nascimento e, a partir daí, pode ser convertido, pelo juiz, em alimentos regulares (art. 6º, p. único da Lei 11.804/2008), se necessário.

O avanço da medicina e as conquistas científicas da genética e da biotecnologia, que deram origem à Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) não impediam a discussão a respeito de saber se há ofensa ao direito à vida na hipótese de eliminação das células-tronco embrionária em experiências malsucedidas ou na eliminação dos embriões excedentes resultantes de inseminação artificial inviável. O STF (ADIN 3510/DF) julgou improcedente por não vislumbrar atentado ou violação constitucional à vida, mas reafirmou a proteção ao nascituro, como sujeito de direitos.

Como já tivemos oportunidade de dissecar (quando tratamos do tema primeira infância), a proteção legal ao filho, à criança, à primeira infância começa na concepção, no primeiro sinal de vida no útero materno.