Violência, punição e menoridade

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

"A lei influencia o comportamento humano, tanto sob o aspecto profissional, quanto pessoal. A questão é saber a partir de quando, até quando qual a extensão e conteúdo dessa intervenção e qual o papel dos emissários do legislador neste contexto".

Embora não se possa afirmar categoricamente que o homem é produto do meio, a recíproca não é verdadeira: o meio pode influenciar o homem. O Direito Penal, o sistema Penal, sabemos todos, é um meio de contenção de massas. Mais do que um regulador do comportamento individual, o Direito é um regulador de massas descontentes.

Esse descontentamento se dá, sem dúvida, em razão das dificuldades econômicas comparativas. A maioria da sociedade brasileira, sem ter acesso mínimo para satisfazer suas necessidades básicas (alimentação, emprego, habitação e previdência, no sentido amplo) manifesta-se de forma isolada e desorganizada contra o sistema econômico desigual através da prática de crimes chamados de "delitos de sobrevivência".

As violências periféricas particulares são as únicas que tem merecido a atenção do Estado-repressor e da polícia que, vez por outra, a pretexto de combater a violência acaba padecendo do mesmo mal, utilizando o mesmo método.

No fundo tais manifestações de violência tem sua base na violência estrutural (central, original), movida e gerada pelos fatores tantas vezes já referido (exclusão social, luta desigual pelo capital, etc) nunca eficientemente combatidos e enfrentados ou mesmo considerados no momento da repressão à violência.

Dentro desse contexto, cremos que o único caminho é buscarmos soluções de base para o problema. Acreditamos que a recuperação da infância perdida é a maior esperança para o amanhã. O criminoso adulto é recuperável, mas o custo social é mais alto: primeiro ele já delinquiu, segundo, a sociedade lhe oferece menos oportunidades e, terceiro, é mais difícil persuadi-lo a mudar.

De real, destaque-se o que existe é uma mudança de classe: o que antes refletia uma criminalidade mais leve, hoje nos conduz a uma utilização mais intensa da violência. Explica-se melhor: o jovem que era um "avião", hoje vende drogas com seguranças armados para cuidar das drogas como seu patrimônio.

A justiça penal no Brasil tem funcionado majoritariamente mediante a pura e simples aplicação sistemática da lei ao caso concreto, seguindo o modelo herdado da tradição positivista mais arraigada. Com exceção das propostas de direito alternativo ou de uso alternativo do direito, muito ou pouco se tem feito no sentido da adoção de uma alteração real de perspectivas na seara penal.

O sistema socioeducativo é recente. Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), a solução do mundo para a criminalidade juvenil se limitava a internação (isolamento celular) e algumas medidas esparsas como a Liberdade vigiada.

Hoje, o ECA e o Sinase (Lei 8069/90 e Lei 12594/2012 respectivamente) preconizam o sistema progressivo das medidas: internação, semiliberdade, liberdade assistida e outras medidas alternativas.

Todos nós sabemos que o isolamento celular longe de forçar a meditação e a um recolhimento, reforça a predisposições antissociais, tornando mais penosa e mais difícil a sua readaptação a vida social. O encarceramento está em crise. Aí está a problemática: crise do sistema socioeducativo. Crise determinada pela preponderância que ganhou nesses sistemas o aspecto retributivo da pena em detrimento do aspecto regenerativo. Reerguer como?

A moderna orientação penitenciária não permite mais que se veja a pena primordialmente como castigo, mas sim como um instrumento de recuperação, o meio de que se servirá a sociedade para recuperar o transgressor. A pena, longe de se despersonalizar, longe de aniquilar, deve reerguer.

A imputatio facti não deixa de existir por causa da menoridade. O que difere a menoridade penal da imputabilidade penal é única e exclusivamente a consequência jurídica do descumprimento da norma ou de um dever típico, se o agente for maior de dezoito anos, ser-lhe-á imposta uma pena, se menor, uma medida socioeducativa. Na realidade, por mais que se aspire ao contrário, as diferenças entre uma pena e outra (medida) não são notadas na prática e pode-se dizer que são meramente terminológicas.

O mesmo ocorre com relação a possibilidade de o adolescente ser preso. Se a prisão é ato pelo qual o indivíduo é privado da liberdade de locomoção, em virtude de infração da norma geral ou por ordem da autoridade competente, "o menor pode e deve ser preso". Tanto isso, é certo que o art. 106 da lei 8069/90 é textual em afirmar que o adolescente pode ser privado de sua liberdade na hipóteses de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Designações terminológicas não mudam o conteúdo das coisas. Preso ou apreendido não importa. A questão é saber se interessa a sociedade punir ou punir e recuperar.