Prospective overruling

Dr. Guaraci de Campos Vianna - Foto: Divulgação

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

A despeito do estrangeirismo, no campo jurídico ainda não se chegou ao fim do processo de aportuguesamento da expressão que numa tradução livre tem o sentido ou significado de precedente judicial ultrapassado.

Em tese no sistema da civil law, onde o precedente judicial ocupa o ponto culminante na hierarquia das fontes do direito (ou seja o precedente da Suprema Corte tem prevalência sobre as leis), há um procedimento ou uma técnica, chamada de Revirement para excluir do ordenamento jurídico determinado precedente judicial obsoleto para substituí-lo por outro atual e mais adequado à realidade social.

No sistema da common law, adotado pelo Reino Unido (o costume, não a lei ou o precedente judicial prevalece sobre as outras fontes do direito) onde mesmo assim a Suprema Corte (House of Cards), nos casos omissos, emite decisões com força vinculante, através do overruling, se excluem determinados precedentes marcados pela incongruência social para substituir por outros que tenham maior consistência com o sistema jurídico.

No sistema jurídico brasileiro, adotado pela maioria dos países do mundo, a Lei (não o precedente judicial ou o costume) é a fonte principal e começando pela "Lei Maior" (Constituição) e as demais (Leis complementares, ordinárias, decretos, medidas provisórias, etc) prevalece sobre todas as outras fontes do direito (costumes, jurisprudência, doutrina, etc).

Entretanto, a despeito disso, na Constituição Federal Brasileira, a partir da E.C. 45 de 2004, passou a adotar as chamadas Súmulas Vinculantes. Veja-se a redação do art. 103ª da CF "O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Com isso o sistema pátrio admitiu a existência de precedentes judiciais com a mesma validade e eficácia do que existe nos sistemas da civil law e common law, nos aproximando, pelo resultado desses sistemas, Há outros institutos similares à súmula vinculante como os recursos repetitivos (IRDR) e a assunção de competência (IAC).

Diante desse cenário, o Código de Processo Civil - estabeleceu que o relator pode negar provimento (não acolher) o recurso contrário às súmulas e decisões vinculantes (art. 932, IV do CPC).

Nesse sentido, é cada vez mais latente o emprego de técnicas de interpretação e de sistematização de aplicação de precedentes judiciais gerados nas cortes superiores - a prospective overruling-, por meio das quais "os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais, podem, por razões de segurança jurídica (boa fé e confiança legítima), aplicar a nova orientação apenas para os casos futuros. Pode-se dizer, de forma expressa, que o ordenamento processual brasileiro acolheu essas técnicas baseadas no §3º do artigo 927 do CPC. Por meio da aplicação de tal instituto, os tribunais superiores podem evitar traumas no ordenamento jurídico pátrio, ao indicar, de forma expressa, a partir de que momento a mudança de entendimento jurisprudencial poderá ser aplicada.

O Superior Tribunal de Justiça passou a prestigiar este instituto. Como caso paradigmático e a esse respeito, o RESP1.696.396, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em 19/12/2018. Na hipótese, ao reconhecer a taxatividade mitigada do artigo 1015 do CPC (hipóteses de agravo de instrumento), ficou estabelecida a tese segundo a qual deve-se modular os efeitos da decisão, aplicando-se a nova jurisprudência apenas após as decisões interlocutórias proferidas na publicação do acórdão.

A aplicação correta da prospective overruling protegerá a legítima confiança, uma vez que bastará ao Magistrado indicar - ou não - a aplicabilidade do precedente adequado de Corte Superior ao caso concreto no momento da materialização da busca por tutela do Poder Judiciário, sem necessidade de atentar para eventual mudança de entendimento enquanto a lide estiver em curso.

Com isso, reforça-se o caráter cada vez mais vinculativo dos precedentes. Assim, de maneira menos traumática para o jurisdicionado, as cortes poderão analisar a conveniência jurídica da manutenção de determinados entendimentos - ainda que pacíficos e sumulados -, sem o risco de afetar a segurança jurídica que se espera do Poder Judiciário.

No entanto, deve ser salientado que devem ser, como de fato estão sendo evitados subjetivismos passageiros e pressões ocasionais, a fim de assegurar a segurança jurídica e fugir das incertezas dos jogos de poder.