Estudo aponta que mudanças na produção e consumo de alimentos aliadas a planejamento territorial podem frear perda da biodiversidade

floresta - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Reverter a perda da biodiversidade até 2050, ou antes disso, é impossível se não houver uma união de esforços de conservação, restauração e uma verdadeira transformação no modo de produzir e consumir alimentos. A conclusão é do estudo “Dobrando a curva da perda de biodiversidade”, conduzido por múltiplas instituições de pesquisa e publicado na revista Nature nesta quarta-feira (9), que contou com a participação do pesquisador brasileiro Bernardo Strassburg, do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS).

O estudo, que faz parte do último Relatório do Planeta Vivo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), explorou metas globais de biodiversidade, com foco na reversão dos impactos das atividades humanas. O objetivo era entender como desacelerar o ritmo de desaparecimento de espécies vegetais e animais e passar a recuperar suas populações, ou seja, como dobrar a curva de perda para ganho de biodiversidade. Para isto, foram utilizados diversos modelos e cenários recentemente desenvolvidos.

Para Strassburg, pesquisador brasileiro que participou do estudo, os desafios para a humanidade, com o objetivo de tornar o futuro mais sustentável, são grandes. Entretanto, segundo ele, as recompensas são inéditas e, sem dúvidas, valem a pena.

“Nós demonstramos que é possível conjugar o crescimento da produção agrícola com a conservação e a regeneração na natureza e seus sistemas vitais à vida, inclusive humana. Isso requer uma combinação plenamente factível de esforços otimizados de conservação e restauração com a redução do desperdício, a intensificação sustentável da produção, dietas menos impactantes e um comércio internacional mais sustentável. Requer vontade política e mobilização de consumidores e produtores, mas as recompensas seriam enormes: ao inverter o milenar processo de degradação da natureza, seríamos a primeira geração humana a deixar o planeta mais sustentável do que encontramos, com enormes benefícios para nós e para as gerações futuras”, declara Strassburg, Professor de Ciência da Sustentabilidade da PUC-Rio e Diretor Executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), coautor do estudo.

Ainda segundo Strassburg, a partir de um reposicionamento estratégico do Brasil no que diz respeito a políticas de biodiversidade, é possível que o país seja um dos líderes deste movimento que, caso aconteça, trará benefícios imensuráveis para as gerações futuras.

“Se migrarmos da aposta em queimadas e desmatamento e a inevitável perda de valor e mercados, o Brasil tem um potencial comprovado para liderar esta transição global, agregando valor ao agronegócio ao se posicionar como o produtor mais limpo do planeta”, complementa o professor.

David Leclère, autor principal do estudo e pesquisador do IIASA, afirma que o estudo tem como objetivo a viabilidade de mudança no declínio da biodiversidade terrestre como conhecemos.

“Queríamos avaliar de forma robusta se seria viável dobrar a curva de declínio da biodiversidade terrestre devido ao uso atual e futuro da terra, evitando colocar em risco nossas chances de alcançar outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, explica Leclère.

“Se isso fosse de fato possível, também queríamos explorar como chegar lá e, mais especificamente, que tipo de ações seriam necessárias e como a combinação de vários tipos de ações pode reduzir os trade-offs entre objetivos e, em vez disso, explorar sinergias”, complementa Leclère.

Como resultado, foram fornecidas informações importantes sobre caminhos que podem tornar real a visão para 2050 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica – “Vivendo em harmonia com a natureza”. Para que as tendências globais da biodiversidade terrestre afetada pela mudança no uso da terra parem de declinar e comecem a se recuperar em 2050 ou antes, os pesquisadores apontam dois eixos prioritários de atuação. Segundo eles, são necessários:

• Esforços arrojados de conservação e restauração, juntamente com maior eficácia de gestão, terão que ser intensificados rapidamente. O estudo presume que 40% das áreas terrestres globais sejam protegidas no curto prazo. Isso deve acontecer em conjunto com grandes esforços para restaurar terras degradadas (atingindo cerca de 8% das áreas terrestres até 2050 nos cenários de estudo) e esforços de planejamento do uso da terra que equilibrem os objetivos de produção e conservação em todas as terras manejadas. Sem esses esforços, os declínios na biodiversidade podem apenas ser desacelerados em vez de interrompidos e qualquer recuperação potencial permaneceria lenta.

• Transformação do sistema alimentar: como esforços ousados de conservação e restauração por si só serão insuficientes, são necessárias medidas adicionais para lidar com as pressões globais sobre o sistema alimentar. Os esforços para dobrar a curva da biodiversidade terrestre global incluem redução do desperdício de alimentos, dietas com menor impacto ambiental (como por exemplo diminuindo a ingestão de proteína animal) e intensificação e comércio sustentáveis.

Para de fato dobrar a curva até 2050 ou antes, no entanto, uma ação integrada nestas duas áreas se faz necessária.

“Em um cenário com aumento dos esforços de conservação e restauração apenas, quase metade das perdas de biodiversidade estimadas no cenário contrafactual business-as-usual não puderam ser evitadas, uma curvatura não foi observada para todos os modelos e, quando ocorreu, foi frequentemente somente na segunda metade do século XXI. Além disso, descobrimos que esforços ousados de conservação e restauração por si só podem aumentar o preço dos produtos alimentícios, potencialmente prejudicando o progresso futuro na eliminação da fome”, disse Michael Obersteiner, pesquisador da IIASA e diretor do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford.

Por outro lado, os cenários que combinavam o aumento dos esforços de conservação e restauração com os esforços para transformar o sistema alimentar mostraram que as oportunidades para esforços ambiciosos de conservação e restauração eram maiores e os potenciais impactos adversos à segurança alimentar neutralizados, garantindo assim uma curvatura das tendências globais na biodiversidade terrestre global afetada pela mudança no uso da terra até 2050. Finalmente, essa mudança transformadora nos sistemas de uso de alimentos e da terra também proporcionaria co-benefícios significativos, como uma grande contribuição para metas ambiciosas de mitigação do clima, pressão reduzida sobre os recursos hídricos, excesso de nitrogênio reativo reduzido no meio ambiente, e benefícios para a saúde.

De acordo com os autores, uma verdadeira reversão dos declínios da biodiversidade provavelmente exigirá um conjunto ainda mais amplo de ações, abordando a perda de biodiversidade juntamente com as mudanças climáticas.

“Se não forem mitigadas, as ameaças emergentes à biodiversidade, como mudanças climáticas e invasões biológicas, podem se tornar tão importantes quanto as mudanças no uso da terra - a maior ameaça à biodiversidade até hoje - no futuro. Uma verdadeira redução das perdas de biodiversidade exigirá uma mitigação ambiciosa das mudanças climáticas que explore sinergias com a biodiversidade, em vez de erodir ainda mais a biodiversidade”, diz Andy Purvis, professor do Imperial College London e pesquisador do Museu de História Nacional do Reino Unido.

Com o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 chegando ao fim com resultados mistos, as conclusões do estudo são diretamente relevantes para as negociações em andamento na Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica.

“Este estudo mostra que o mundo ainda pode ser capaz de estabilizar e reverter a perda da natureza. Mas, para ter alguma chance de fazer isso já em 2030, precisaremos fazer mudanças transformacionais na forma como produzimos e consumimos alimentos, bem como esforços de conservação mais ousados e ambiciosos”, disse Mike Barrett, diretor executivo de ciência e conservação do WWF -UK e co-autor do estudo. “Se não fizermos isso e continuarmos com os negócios como de costume, vamos acabar com um planeta que não pode suportar as gerações atuais e futuras. Nunca foi mais necessário um “Novo Acordo para a Natureza e as Pessoas” que interrompa e comece a reverter a perda de biodiversidade. ”