Direito Penal Juvenil

Dr. Guaraci de Campos Vianna é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Foto: Divulgação

Seus Direitos na Justiça com Guaraci Campos Vianna
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Dr. Guaraci de Campos Vianna

Encontramos na atualidade um recrudescimento da ação do Estado no combate à violência. Nada mais justo diante do quadro caótico em que chegamos, com uma ofensa direta às instituições e pessoas que integram o sistema de segurança pública.

É preciso respeitar os agentes públicos e tentar conter, ao máximo, as ações de enfrentamento.

O debate é abrangente e passa por inúmeras questões, a começar pelo direito ou não de pessoas portarem armas para, inclusive, dentro dos limites da lei, exercer o direito à legitima defesa da vida ou do patrimônio.

Entretanto, lembrando a fábula dos meninos que estão morrendo afogados na correnteza do rio caudaloso, é preciso salvá-los, claro, mas também temos que atacar as causas, saber por que os meninos estão sendo jogados no rio. Parece-nos recomendável combater a violência, às vezes, até mesmo com o enfrentamento, quando necessário, mas enfrentando as causas.

Educação é uma saída e também o caminho. Políticas públicas para a primeira infância, sem dúvida, são necessárias, estratégicas, e os resultados serão observados com o passar do tempo. Porém, na verdade, há de se começar logo e aplicar medidas que tenham efeito imediato. Assim, neste desiderato, pensar na possibilidade de recuperar os infratores menores de idade poderia proporcionar um investimento com retorno mais breve.

Talvez seja necessário lembrar que nem todos os jovens em conflito com a lei são irrecuperáveis. É possível que a sanção/punição adequada e uma execução eficiente, ou ao menos satisfatória, possa obter resultados expressivos. Há casos em que há necessidade de imposição de medidas privativas de liberdade por um tempo razoável, mas não é esse o foco deste breve artigo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de execução de medidas socioeducativas (Lei nº 12.594/ 2012) instituíram no cenário legislativo do país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania. A Lei que cuida da execução das medidas, que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) tem mecanismos que viabilizam uma perspectiva de resultado exitoso.

Assim como o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, sempre esteve aqui. Na realidade foi desvelado. O Direito Penal Juvenil está ínsito ao sistema socioeducativo.

A crise no sistema de atendimento a adolescentes infratores privados de liberdade no Brasil só não é maior que a crise do sistema penitenciário, para onde se pretende transferir os jovens infratores menores de dezoito anos. Esta crise do sistema socioeducativo se agudiza quando os arautos do catastrofismo, sob argumentos os mais variados, até mesmo de defesa dos direitos humanos, deixam de demonstrar uma série de experiências notáveis que se desenvolvem nesta área no país, passando uma falsa ideia de inviabilidade do sistema, que tem, quer se goste, quer não se goste, um efetivo perfil prisional em certo aspecto, pois é inegável que, sob certo ponto de vista, a privação de liberdade do internado faz-se tão ou mais aflitivo que a pena de prisão do sistema penal adulto.

Por outro lado, há medidas socioeducativas que têm a mesma correspondência das penas alternativas, haja vista, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade, prevista em um e outro sistema, com praticamente o mesmo perfil.

O que deve ser feito, visando preservar uma geração que agoniza, não é o de lançá-la no fundo do poço do sistema penal, igualando desiguais. O que pode e diria, deve ser feito, é imediata reavaliação do sistema infracional de adolescentes, à luz, sem eufemismos, do Direito Penal Juvenil, revendo, quem sabe, o módulo máximo de privação de liberdade, que, pelo ECA, foi fixado em três anos, com reavaliação a cada seis meses, mas que na Alemanha pode alcançar dez anos, na Costa Rica chega a atingir quinze anos, no México é de cinco anos, no Panamá é de dois anos, etc.

A propósito dessa discussão, aliás, já existem cerca de 30 projetos com propostas de alteração do ECA no Congresso Nacional (veja-se PL 7197/2002).

O que não é possível é que se desperdice a chance que o Estatuto da Criança e do Adolescente nos deu para construir um sistema de garantias, um verdadeiro sistema penal juvenil, que por incompetência ou despreparo não querem ver funcionar plenamente, retrocedendo com propostas de redução de idade de imputabilidade penal o que pouco ou nada irá contribuir para resolver o problema, podendo até agravá-lo.