Uma sobrevida para as empresas

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

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WAGNER BRAGANÇA

Agora depende apenas do Senado evitar a recuperação judicial e/ou a falência de empresas, especialmente as médias e pequenas, atingidas em cheio pela pandemia do coronavírus. O projeto de lei 1.397/2020, que teve origem na Câmara e foi apresentado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), suspende por 30 dias ações judiciais de cobrança de dívidas vencidas depois de 20 de março deste ano. O texto impede a decretação de falência e a incidência de multas para prevenir os impactos da crise econômica provocada pela Covid-19.

Os senadores estão perto de analisar o projeto. Não é sem tempo. Estamos em meio à crise, contabilizamos perto de 450 mil casos oficiais e caminhamos rapidamente para quase 30 mil mortos. Sabemos que os números de contagiados e de perdas humanas é bem maior por causa das subnotificações e da ausência de testes. Na verdade, seria sete vezes maior segundo estudo da Universidade Federal de Pelotas (RS). O número de desempregados pela pandemia entre fevereiro e abril é de quase 5 milhões de trabalhadores formais e informais. Como já mencionado em artigo anterior aqui publicado, dados mensais do Serasa Experian indicam que em abril foram registrados 120 pedidos de recuperação judicial no país, alta de 46,3% em relação a março. Os pedidos de falência chegaram a 75, aumento de 25% em comparação com o mês anterior.

O PL 1397/2020 foi aprovado pelos deputados no dia 21 de maio e tem o objetivo de favorecer os acordos entre credores e devedores e evitar que os índices registrados pelo Serasa Experian cresçam assustadoramente e sobrecarreguem ainda mais o Judiciário. Importante reconhecer, contudo, que o texto merece ser aperfeiçoado em alguns pontos para garantir mais segurança jurídica e o uso indevido dos benefícios que a lei promove.

Vale ressaltar que uma das principais mudanças incluídas no projeto é a suspensão por 30 dias de obrigações contratuais e jurídicas. As execuções judiciais ou extrajudiciais, as ações judiciais, a decretação de falência, a rescisão unilateral, as ações de revisão de contrato e a cobrança de multa em contratos em geral e em tributos para todas as empresas ficam paralisadas. Mas as obrigações relativas a pagamento de salários e contratos de cooperativas continuam a valer.

As alterações aprovadas pela Câmara se referem tanto às recuperações judiciais já existentes quanto aquelas que ocorram durante a pandemia. Valem, contudo, por um tempo limitado entre 20 de março e 31 de dezembro deste ano e ajudam empresas de todos os portes (a recuperação pode ser pedida por companhias com menos de dois anos de atuação), produtor rural, empresário individual e profissional autônomo. Incentivam especialmente a negociação entre as partes, o chamado acordo extrajudicial. É este o objetivo do prazo de 30 dias, dar tempo para todos se entenderem.

Se essa primeira tentativa não der certo, e o devedor provar que teve pelo menos 30% de seu faturamento reduzido, pode entrar com um pedido de negociação preventiva em um juízo especializado em falências. Ganha mais 60 dias para dar entrada neste pedido e outros 90 dias para manter em suspenso os contratos e multas. No total, terá seis meses para ir negociando com seus credores.

O texto também aumenta o valor dos títulos protestados para o pedido de falência de 40 salários mínimos (perto de R$ 40 mil) para R$ 100 mil. E o quórum de credores que concordam com o plano de recuperação extrajudicial diminui de 3/5 para metade mais um dos credores. Além disso, durante a negociação preventiva, a empresa, o produtor rural, o profissional autônomo ou o empresário individual pode recorrer ao mercado financeiro para levantar um financiamento que o ajude a se reestruturar e preservar o valor de seus ativos. E, se já estiver em recuperação, não vai precisar cumprir, durante quatro meses, as medidas previstas no plano original e pode até apresentar um novo planejamento da recuperação.

A lei, como anotamos, tem seus méritos, mas impõe algumas cautelas. Não pode ferir, de forma alguma, sem um bom acordo, os credores. Todos os lados foram atingidos pela crise, estão com problemas de caixa e precisam ter a sobrevida garantida.

É preciso cuidado com as empresas que podem se beneficiar com as alterações. Afinal supermercados e fabricantes de medicamentos e equipamentos hospitalares não foram atingidos pela crise tanto quanto uma livraria, um restaurante e um bar.

As microempresas e empresas de pequeno porte receberam tratamento diferenciado no projeto. Podem parcelar as dívidas em 60 vezes, com carência de um ano para o pagamento da primeira parcela. A proposta é boa, mas faltou uma parte importante neste grupo: a possibilidade de negociação e novos prazos também para suas dívidas bancárias.

O Senado tem algum tempo para aprimorar a proposta. Mas não muito. A pandemia não dá trégua.