Mais igualdade para as dívidas

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

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WAGNER BRAGANÇA

A pandemia do novocoronavírus paralisou a pauta do Congresso e a reforma tributária entrou na fila de espera. Pode voltar a andar lá para setembro, a depender do ritmo da contenção do vírus que hoje avança pelo interior do Brasil. Salvar vidas vem em primeiro lugar, isso não se discute, mas salvar empresas - e empregos -- também é necessário e urgente. E, nesse capítulo, o emaranhado de impostos, taxas e contribuições de hoje afogam brasileiros e atolam investidores e companhias.

A pauta do Congresso mudou, mas os parlamentares não pararam de trabalhar. Projeto apresentado pelo deputado Ricardo Guidi (PSD-SC) cria o Programa Extraordinário de Regularização Tributária (Pert/Covid-19) para débitos da Receita e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Há um pedido de urgência para analisar a proposta. O texto colocou a equipe econômica em alerta e mobilizou até o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia.

O projeto permite a empresas e pessoas físicas deixarem de pagar dívidas contraídas até dezembro, quando termina o estado de calamidade pública decretado pelo governo por causa da pandemia. É chamado de Super Refis, porque é um programa amplo de parcelamento de débitos tributários com perdão de até 90% de multas. O grupo de técnicos comandado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o deputado Rodrigo Maia consideram melhor discutir a questão com a proposta de reforma tributária - que tem o objetivo de simplificar o nosso emaranhado de impostos, taxas e contribuições.

Tanto um quanto outro, contudo, sabem que diante do estrago econômico provocado pela Covid-19 será impossível não fazer algum tipo de parcelamento das dívidas tributárias. A proporção ou dimensão desse novo programa de refinanciamento dos débitos, porém, vai depender de um quadro mais nítido do impacto provocado pelo vírus em cada setor.

E o estrago foi grande até aqui, como já anotamos. Atualizando os dados, apenas os pedidos de recuperação judicial de empresas, sejam pequenas, médias ou grandes, aumentaram quase 70% de abril para maio e o de falências cresceu 30% neste período. Especialistas em reestruturar dívidas, bancos e consultorias afirmam que a escalada dos números comprova que a quebradeira de empresas deve atingir recordes este ano.

Não é uma previsão ou análise alarmista. É a realidade. Tanto que o ministro Paulo Guedes, em encontro com representantes do setor de serviços, apontou para a possibilidade de parcelamento de impostos que já tiveram o pagamento adiado durante a pandemia. Aumenta a pressão também por novas suspensões do pagamento, medida que o governo não descarta.

É importante, contudo, debater desde já o tema, especialmente para entender o interesse da Fazenda Pública, do Fisco, nesse debito sobre os débitos tributários. Só para se ter uma base, a Lei 11.101, a Lei de Falências e Recuperação Judicial, no art. 49, considera que "estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos". Em tese, a recuperação judicial incluiria todos os créditos existentes.

Não é bem assim. O artigo 187 do Código Tributário Nacional assegura que o crédito tributário não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Não podem ser inscritos em Dívida Ativa e executados judicialmente. Esse abismo entre a Lei e o Código provoca inúmeros processos judiciais e pode levar à falência.

Na prática, porém, o que deveria favorecer a Fazenda, pode prejudicar seus interesses. Em várias decisões, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que uma empresa em recuperação não pode ser executada por uma dívida que prejudique o processo de recuperação. Ou seja, puseram fim ao aparente privilégio da Fazenda, que acabou ficando sem receber nada.

É preciso, sim, que a pandemia nos ensine que essa dicotomia deve chegar ao fim pela lei. A Fazenda Pública não é um ser à parte num processo de recuperação judicial ou falência. É um credor igual aos outros. Não pode ser privilegiada, nem prejudicada.

A Covid-19 também mostra que o parcelamento de dívidas precisa ser diferente, a depender do credor. Especialmente por conta das diferenças abissais entre pequenas, médias e grandes empresas. As inovações feitas na lei 11.101 no projeto aprovado pela Câmara e à espera de análise pelo Senado preveem esses parcelamentos diferenciados, que devem permanecer para além da pandemia.

Não podemos viver de Refis em Refis. Já tivemos 39 programas de refinanciamento de dívidas, de bancos a empresas, incluindo até clubes de futebol. A hora é de debatermos parcelamentos de débitos tributários adequados para a realidade de cada empresa. Quem deve, deve pagar. O credor tem o direito de receber. A negociação é o caminho certo, o Judiciário o meio para analisar as pendências e a lei a base do acordo.

A pandemia acelerou nosso processo de expansão e conteve o crescimento da economia brasileira. Atingiu de frente as empresas. Nesse contexto, nossa carga tributária irracional e a legislação que protege a Fazenda Pública dos efeitos da crise sobre as empresas exigem uma revisão urgente. E duradoura.