O mundo não vai ser mais o mesmo após o coronavírus

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Ao que tudo indica, e torcemos por isso, em breve surgirá uma vacina que nos tornará imune à covid-19 e todo esse temor causado pelo coronavírus será coisa do passado. No entanto, muita coisa trazida indiretamente por essa pandemia permanecerá como um legado, mudando para sempre a forma como as pessoas vivem nas grandes cidades. Urbanização, lazer turismo e trabalho são alguns dos segmentos que saíram na frente revolucionando sua lógica e forma para seguirem renovados naquilo que promete ser um novo normal. Uma coisa é certa, quase nada poderá ser como antes, garantem os especialistas.

Trabalho - De microempresas a multinacionais a pandemia tornou urgente o que vinha sendo apontado como o futuro do trabalho, o home-office. Um revolução que muitos especialistas apostam que chegou para ficar, e que pode ser a primeira grande mudança ocasionada pela pandemia na vida das pessoas.

"Essa tendência digital sempre foi um objetivo das empresas, mas a pandemia acelerou o processo. Muitas empresas já estão estendendo o período de home office que tem como vantagem a saúde dos funcionários, uma vez que em casa, eles estão mais seguros, não há estresse pelo trânsito ou uso do transporte público e nem o cansaço pelo deslocamento. E se a empresa contribuir com uma ajuda de custo para pagamento de internet e luz, o nível de gasto será bem menor, já que assim ela pode reduzir custos com espaço físico", afirma Cezar Kirszenblatt, Gerente de Conhecimento e Competitividade do Sebrae Rio.

Acostumadas a serem reconhecidas pelo preço adequado e prazo de entrega, no novo normal, segundo Kirszenblatt, as empresas terão que aliar essas competências com a preocupação com bem-estar de seus clientes e empregados.

"As empresas vão avaliar três pontos, redução de custos, melhoria da imagem e preocupação com o bem-estar com os funcionários nas cidades grandes. Empresas com base em grandes prédios e gastos enormes poderão repensar esses modelos. Micro e pequenas empresas passarão a adotar o coworking ou espaço compartilhado, que possibilita interações com outras empresas e contratando apenas a força de trabalho estritamente necessária. Não haverá posto fixo de trabalho e os processos serão digitalizados para uma maior agilidade", antecipa Cezar.

As mudanças na rotina de trabalho da designer de interiores Mia Muniz, de 39 anos, já são consideradas definitivas.

"Trabalhei durante muito tempo com escritório físico, mas aí veio a maternidade e eu mudei para home office por um período. Em Janeiro deste ano eu retornei para uma sala comercial, com tudo organizado e planejado, com creche e uma rede de apoio em casa. Aí veio a pandemia e eu precisei voltar para o home office, porém desta vez está sendo um pouco diferente, pois divido meus horários entre trabalho, maternidade e vida pessoal e sem apoio. Organizo meus dias em blocos, e planejo toda a minha rotina. Com minha equipe, nos adaptamos usando diversos aplicativos de planejamento, programas de reuniões online e arquivos em nuvem. Tudo isso também significa acompanhar de perto o crescimento de um filho, cuidar da casa e pensar naquele cantinho que posso melhorar. Mas para dar certo é preciso ter rotina e horários, para não invadir e misturar todos os campos da vida", ensina a designer.

Turismo - Sem previsão para retomada das viagens, que ainda terá que reconquistar confiança do público em geral, ao mesmo tempo em que viagens e convenções estão sendo substituídas por videoconferências, o setor no Brasil volta ao incentivo do turismo interno para quando o país voltar à normalidade.

A campanha da Confederação Nacional de Municípios em parceria com o Ministério de Turismo prevê o incentivo à remarcação de viagens e realizações contratadas antes do surgimento do novo coronavírus, como forma de contribuir com as economias locais e a manutenção de empregos. As empresas, por sua vez, terão que se adaptar a diversas normas de segurança para voltarem a funcionar. Para Sonia Chami, presidente Executiva do Rio Convention & Visitors Bureau, o momento requer união.

"Além dos cuidados com higiene e segurança dos equipamentos e dos colaboradores, a sustentabilidade e a solidariedade deverão estar sempre presentes daqui para frente. Outro fator que deverá perdurar é união do setor, com associações e entidades de classe buscando o melhor junto aos órgãos oficiais competentes. Teremos, como em todo o mundo, vários estabelecimentos e empresas que não conseguirão reabrir. Haverá uma valorização dos mercados regional e nacional, devido à insegurança pessoal, em um primeiro momento, para viagens longas, além da instabilidade financeira causada pela pandemia. No segmento de eventos, a recuperação será mais lenta com a realização de alguns eventos digitais, outros híbridos e um retorno mais gradual dos eventos presenciais", prevê Sonia.

Urbanismo - A pandemia do novo coronavírus escancara, de forma muito evidente, todo um processo que agravou ainda mais o abismo social do nosso país. Ao olharmos a história da humanidade, várias pandemias ocorreram em outros momentos. Todos esses eventos do passado denunciaram, na verdade, que tínhamos uma crise sanitária grande, com pouco investimento nas áreas de saneamento e distribuição de água, explica o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro, Jeferson Salazar.

"Mais uma vez, temos um evento extremo que denuncia que o abismo social tem parcela de responsabilidade grande. A pandemia do novo coronavírus, no Brasil, começou em áreas de maior poder aquisitivo. Porém, conforme o desenvolvimento da doença, constatou-se que o vírus mata muito mais nas áreas de menor poder aquisitivo, onde os investimentos na área de saúde, de saneamento e de habitação de qualidade são mais precários. Portanto, a pandemia, assim como em crises epidemiológicas anteriores, destaca a imprescindibilidade de investimentos em áreas essenciais como saneamento básico, distribuição de água, planejamento urbano e habitação de interesse social. Passada a crise, esperamos que fique a lição", ressalta Salazar.

A humanidade, na sua essência, é social. O ser humano só evoluiu porque conseguiu se organizar em sociedade. Por isso, segundo Jeferson, podemos afirmar que as cidades representam o maior produto da cultura humana. Reflexos da diversidade, diferenças e conflitos, para o urbanista dificilmente será possível fazer com que evitar aglomerações se torne uma diretriz social.

"Existe toda uma cultura de estarmos juntos. Acredito, sim, que temos que pensar e propor medidas para evitar a proliferação de epidemias ou, no caso presente, pandemia, sem prejudicar a relação social que existe e faz parte da cultura humana. Pensar soluções que nos levem a criar mecanismos em que a convivência social não seja prejudicada, mas que garanta a proteção individual e, ao mesmo tempo, coletiva. A normalidade anterior foi a que nos levou a essa situação. Era a normalidade da exclusão, da segregação, da falta de investimento em saúde e em habitação, direitos fundamentais do ser humano. A grande dúvida que se coloca, nessa nova vida urbana, é como a humanidade vai repensar as riquezas que são produzidas coletivamente. Como podemos aliar redução dos custos da cidade com o bem-estar geral da humanidade", indaga o arquiteto.

Entretenimento - Dos palcos para telas dos celulares e computadores, presos em casa os artistas tiveram que rapidamente se reinventar para continuar em contato com o público. A modalidade de show através de lives passou a ocupar o lugar central no setor cultural desde o início da quarentena. Artistas já perceberam que através das lives atingem um público muito maior, por um custo menor e de graça para quem assiste.

"A TV, as rádios, os jornais, as formas tradicionais de divulgação continuarão tendo seu importante papel. Mas criou-se essa nova opção de exibição — que na realidade já existia — mas que ganhou maior relevância devido ao confinamento. E nesta modalidade, há sim uma nova oportunidade para artistas que não têm uma estrutura aumentarem a sua chance de serem descobertos pelo mercado", afirma Kiko Fernandes, coordenador do curso de Formação Executiva em Music Business da FGV.

A empresas patrocinadoras deste nicho, por sua vez, já enxergaram a oportunidade de levar sua marca para esse público. Para se ter uma ideia, os artistas sertanejos Gusttavo Lima e Jorge e Mateus venderam cotas de patrocínio que variavam entre R$ 400 mil e R$ 1 mil em suas transmissões.

"Neste mercado há pelo menos 25 anos já gravamos músicas sem os músicos se encontrarem, ou mesmo estarem no mesmo continente. O que deve mudar são alguns hábitos e formas de consumo com a sedimentação desse comércio on-line. Algumas profissões devem sim perder relevância neste segmento, com a disseminação da inteligência artificial. Por outro lado, cada vez mais a educação e a especialização se tornarão fundamentais", ressalta Kiko.