O dilema entre juros baixos e crescimento econômico

Wagner Bragança é advogado tributarista, com pós-graduação em Direito Tributário e Administrativo Empresarial, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Recuperacional e Falimentar - Foto: Divulgação

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WAGNER BRAGANÇA

A semana político-criminal fecha com a prisão de Fabrício Queiroz e a saída de Abrahan Weintraub do Ministério da Educação e a econômica se encerra com o anúncio de nova queda na taxa básica de juros. Caiu de 3% ao ano para 2,25%, um novo recorde histórico, mas não deve parar por aí. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou aberta a porta para novos cortes no futuro, talvez mais 0,25%.

A redução dos juros vem sendo gradativa. Foram oito consecutivas, desde julho do ano passado. Manter a trajetória indica que o governo trabalha por antecipação, na esperança de reduzir a retração do Produto Interno Bruto no que vem. Este ano, como sabemos, a projeção de avanço do PIB está negativa em 6,5%. Pode até ser maior, segundo avaliam bancos e consultorias nacionais e internacionais.

Este novo corte na taxa básica não produz efeitos imediatos. Ninguém vai pagar menos pelo uso do cartão de crédito ou por um financiamento agora. Os efeitos das decisões do Copom levam de seis a nove meses para serem sentidos. São um sinal para o futuro. Ou seja, quem recorrer a um crédito, lá na frente, seja um correntista pessoa física ou uma empresa, aí sim vai ter acesso a um juro menor. Por enquanto, portanto, nada muda.

Mas é importante mesmo olhar para a frente já que, agora, nada acontece de bom na economia. As empresas, sejam micro, pequenas e médias, não tem conseguido, até hoje, acesso às linhas de crédito criadas pelo governo para o enfrentamento da pandemia sobre o faturamento. Os índices apenas comprovam o mal do vírus sobre todos os setores: serviços, vendas no varejo e produção industrial caíram entre 11% e 18% de março para abril e em maio, com a pandemia em alta, não apresentaram melhora.

O desemprego continua a avançar e deve alcançar algo em torno de 17 milhões de trabalhadores, quase 5 milhões a mais do que no início do ano. O mercado financeiro e o dólar sobem e descem, ao ritmo de notícias ruins ou menos péssimas. Para quem vai investir, melhor hoje, com o juro a 2,25% ao ano, colocar o dinheiro na poupança do que aplicar em renda fixa.

Para o governo, juro mais baixo reduz o custo da dívida pública, que se mantem em torno de R$ 380 bilhões líquidos nos últimos dois anos. Cada ponto a menos na taxa se transforma em um gasto menor de mais ou menos R$ 30 bilhões. É pouco mas compensa quando se sabe que parte de nossas reservas está investida em papel do Tesouro dos Estados Unidos, que vem rendendo menos.

Mais da metade de nossa dívida pública em mercado está indexada à taxa básica de juros, à Selic. E desde os anos 90 as aplicações indexadas à Selic têm garantido bons rendimentos. É possível, então, rolar mais de 50% de nossa dívida pública em títulos ou operação que pagam a Selic. Um bom negócio para um país que está em recessão - como quase todo o mundo. Apesar de ter recebido aval do Congresso para emitir dinheiro, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reluta ainda em recorrer à medida. Em entrevista ao Financial Times, considerou que ainda "há espaço monetário na política tradicional", antes de investir na compra de títulos públicos e privados para aliviar o mercado.

A sinalização do Copom para a eventualidade de uma nova redução dos juros ainda este ano também é boa para os brasileiros com dívidas a pagar. E eles são muitos. Com quase 1 milhão de infectados e perto de atingir 50 mil vidas perdidas para a pandemia, o Brasil soma ainda um novo recorde: o percentual de famílias endividadas atingiu este mês o recorde histórico de 67,1% segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da Confederação Nacional do Comércio. Acumulam débitos em cheques pré-datados, cheque especial, cartão de crédito, empréstimo pessoa, carnê de loja, prestação de carro e seguro. Com o corte dos juros, ganham argumentos para renegociar o que devem em bases mais favoráveis.

O mesmo argumento vale para as empresas que precisam hoje de mais crédito e de se financiar para o pós-pandemia. Não por acaso e em paralelo à decisão do Copom, o governo acabou de criar mais um programa de renegociação das dívidas tributárias de pessoas físicas e companhias. Oferece descontos de até 70% do total dos débitos e acredita que pode arrecadar, com a proposta, R$ 56 bilhões para os cofres da União.

Pagar juros menores ajuda a todos, correntistas, empresas e governo. Mas não é o suficiente. É sempre importante repetir que temos de completar o ciclo das reformas. E a tributária, no contexto pós-pandemia, é cada vez mais essencial. Com o cenário de juros baixos, inflação em queda, desemprego em alta, temos dois anos para acelerar esse processo. É mais do que hora de ordenar nosso confuso e complexo sistema tributário, que onera empresas e pessoas físicas especialmente.

O Congresso está quase parado pela pandemia de covid-19, mas, como o Copom, precisa olhar para a frente. E enfrentar essa questão, sem protelações.