Museu Nacional renasce das cinzas

Além da recuperação do espaço físico, Museu luta para preservar sua memória, uma história que não pode se apagar - Foto: Thiago Lontra/Divulgação Alerj

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Era noite de um domingo, quando um incêndio de grande proporções atingiu o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, criado por D. João VI, em 1818. O mundo acompanhou imagens das chamas destruindo um acervo de 20 milhões de itens, como fósseis, múmias, peças indígenas e livros raros, construído ao longo de 200 anos, do que era, até então, a instituição científica mais antiga do país. Cerca de 80 bombeiros de 12 quartéis atuaram no combate às chamas, que foram controladas seis horas depois devido à falta de água nos hidrantes próximos.

A tragédia, considerada o maior desastre museológico do Brasil, completou dois anos no dia 2 de setembro, mas as lembranças continuam ardendo na memórias de muitos que trabalhavam no local. No mês passado, o Museu recebeu o repasse de R$ 20 milhões da Alerj para dar continuidade às obras de restauração. O Bradesco também anunciou doação de R$ 50 milhões na última sexta-feira e Vale já havia doado R$ 50 milhões para a reconstrução do Museu. A previsão é que ocorra a reabertura parcial em setembro de 2022, na comemoração do bicentenário da Independência, e a conclusão total da reforma ocorra no segundo semestre de 2025.

Mas, antes disso, de acordo com o Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, há um projeto para receber crianças de escolas públicas já no ano que vem. A ideia é fazer com que a história do Museu não se apague.

"Estamos elaborando um projeto para a abertura de um centro educacional para as crianças que estão 'órfãs' do Museu. A ideia é desenvolver uma estrutura pequena, de mais ou menos 450m², que não demande tanto dinheiro. Isso para que o Museu possa voltar a receber pelo menos algumas escolas com pequenas exposições, obedecendo o afastamento social e dentro de todo o protocolo de segurança permitido. Nas próximas semanas vamos lançar esse projeto na Lei Rouanet", adiantou Kellner.

Cinzas - As imagens das chamas consumindo o maior acervo de história natural e de antropologia da América Latina chocaram muitas pessoas. A escritora Janda Montenegro fez seu primeiro estágio no Museu Nacional, onde trabalhou por 10 anos. No dia seguinte ao incêndio, foi até o local e pôde vivenciar a triste realidade que tinha se tornado o Museu Nacional.

"Foi muito difícil ir até o local e ver a destruição. Constatar que só ficaram os portões de ferro e as fachadas foi muito dolorido. Me emocionei ao ver algumas pessoas tentando salvar algumas peças que não eram nada comparado ao que o Museu tinha. Foram anos de trabalhos virando cinza", relembrou Janda, que na ocasião organizou uma campanha para que as pessoas enviassem fotos, documentos e histórias para manter vivo o acervo e a memória do Museu Nacional.

Investigações - Em julho, a Polícia Federal concluiu o inquérito do incêndio no Museu Nacional. O laudo pericial mostrou que não houve incêndio criminoso e descartou conduta omissa por parte dos gestores do Museu. A perícia técnica-criminal confirmou que o fogo começou em um dos aparelhos de ar-condicionado do Auditório Roquete Pinto, no 1° andar, próximo à entrada principal do Museu. A investigação mostrou que a fiscalização realizada pelo Corpo de Bombeiros no prédio não foi concluída, o que acarretou na punição administrativa do oficial da ação.

Antes do incêndio, a UFRJ e a diretoria do Museu Nacional tentaram revitalizar o prédio através de tratativas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para adequar o antigo edifício. O contrato foi assinado em junho de 2018, mas o valor não chegou a ser repassado antes do incêndio, que ocorreria três meses depois. Por isso, o inquérito concluiu que os gestores da instituição não foram omissos.

Joias da imperatriz - Na semana passada foi anunciado que o trabalho de resgate das peças do Museu conseguiu recuperar parte significativa da Coleção Imperatriz Teresa Cristina, que ocupava três salas no segundo andar do palácio, em um dos poucos locais onde o piso e o teto não desabaram. Pelo menos 30% das peças foram recuperadas, sendo que cerca de 100 foram encontradas inteiras.

A coleção completa da imperatriz incluía cerca de 750 peças, entre objetos de bronze, cerâmica, vidro e afresco, datados do século VII a.C ao III d.C. Apesar de não serem peças brasileiras, a coleção tem forte relação com o Museu Nacional, por trazer a memória do palácio enquanto residência da família imperial.

Doações - Em agosto, a Alerj fez o repasse de R$ 20 milhões para obras de restauração do Museu Nacional. O recurso foi por meio do Fundo Especial do Parlamento Fluminense à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a qual o museu pertence. Para o diretor Alexander Kellner, a doação é fundamental para dar continuidade à obra.

"Com a chegada desse aporte, será possível começar a restauração da fachada do Palácio São Cristóvão e dos telhados. O mais importante não é somente a questão financeira, mas o passo que foi dado com a liberação desse repasse. A demonstração da necessidade que precisamos para fazer o trabalho é extremamente positivo", disse Kellner.

Segundo Denise Pires de Carvalho, reitora da UFRJ, já foi alcançado quase a metade da verba necessária para finalizar todo o projeto de reconstrução do Museu.

"Vamos conseguir fazer aquilo que era um sonho: retirar os laboratórios do nosso palácio, para que o espaço possa ser integralmente entregue para a visitação, para as exposições permanentes e temporárias, que é isso que a comunidade do Museu Nacional quer. É isso que a UFRJ quer e a sociedade brasileira e internacional também quer", afirmou a reitora.

Plenamente ativo - E os trabalhos no Museu não param. O projeto Museu Nacional Vive, iniciativa da UFRJ, da UNESCO e da Fundação Vale, divulga alguns avanços, como:

Paço de São Cristóvão - A primeira etapa das obras de restauro das fachadas e dos telhados será iniciada o quanto antes, até, no máximo, o início de 2021. As intervenções planejadas já foram aprovadas IPHAN e serão executadas com recursos da iniciativa privada e ainda com o aporte de R$ 20 milhões anunciado pela Alerj.

A obra de proteção dos ornatos e elementos decorativos das salas históricas do Palácio e do Jardim das Princesas será contratada este mês. Em outubro, será divulgada a proposta criativa do projeto de Arquitetura e Restauro do Museu Nacional/UFRJ. A avaliação contará com a colaboração de uma comissão julgadora formada por representantes de instituições públicas, organismos internacionais e organizações sociais de referência para a preservação do patrimônio histórico e cultural.

Novo campus de pesquisa e ensino - O cercamento do campus anexo à Quinta da Boa Vista está em fase de conclusão. Novos módulos para guarda de acervos e de apoio à Biblioteca estão sendo instalados; e o prédio administrativo deverá ser concluído em novembro.

Biblioteca Central - A previsão de contratação da obra de reforma e ampliação da Biblioteca Central é para outubro.

Ações estratégicas - O Projeto coordena ainda o desenvolvimento da nova museografia; e potencializa atividades de comunicação e diálogo com a sociedade. Ainda neste mês será lançada uma versão digital da exposição "Os Primeiros Brasileiros". Nos próximos meses, serão lançadas a plataforma digital Museu Nacional Vive e uma Pesquisa de Público online.n