A chave do autoconhecimento

Home-office, experiência cria rotina e ajuda a passar o tempo sozinho - Foto: Colaboração: Ulisses Dávila

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Atualmente cerca de 2,8 bilhões de pessoas estão vivendo restritas ao isolamento social. A quarentena tem sido adotada como estratégia de contenção do aumento da pandemia do Covid-19, causado pelo coronavírus. Esse número equivale a um terço da população mundial, que tem narrado os desafios dessas restrições, através das redes sociais. Mas se para muitos não está sendo fácil, imagina para pessoas que, por alguma razão, estão tendo que enfrentar esse período sozinhas? Um verdadeiro desafio de autogestão, mas principalmente de equilíbrio, contando apenas consigo mesmas.

Parte desse grupo recluso e solitário, de repente eu me dou conta de que há muitos dias não calço meus tênis, que fico de chinelos o dia inteiro, mesmo nas rápidas saidinhas para ir ao mercado ou levar o cachorro para fazer xixi. Tento manter toda normalidade que posso em ninha rotina. Acordo, preparo um café, leio um pouco e começo navegar pelas notícias no celular.

Nos dias que consigo me motivar, abro um aplicativo e faço algum exercício físico, yoga de preferência, pois me ajuda a relaxar também. Mas por mais que eu tente manter tudo como era antes, na "voltinha" diária com meu cachorro, não posso deixar de perceber ruas vazias.. O Ingá, bairro que moro, em Niterói, está deserto e a Concha Acústica, onde meu cachorro gosta de brincar, agora está sempre fechada.

Assim como eu, a assistente social Alessandra Corguinha, de 48 anos, enfrenta a quarentena sozinha. Ela explica, através de mensagem, que tem encontrado apoio em seus pets, neste período.

"Estou morando sozinha há um ano. Resido em Teresópolis e minha família não é daqui. Nesta quarentena solitária, posso afirmar que tenho sorte, pois tenho a companhia de Frida e Valente, meus gatos. Esses momentos, sozinha em casa, trazem muita reflexão. Observando meus gatos 24 horas por dia, aprendi muita coisa. Nem toda sabedoria é verbal. Eles me ensinam a tirar alguns momentos para fazer nada, brincar, me cuidar e me admirar. Também me ajudam a ter disciplina, me acordam na hora de dar comida para eles, que era a hora que eu me arrumava para sair para trabalhar, o que também me ajuda a ter uma rotina mais saudável", revela.

Há duas semanas estou trabalhando em sistema home-office, uma experiência que tem me ensinado bastante e me ajudado a ter um tempo de rotina e interação no meu dia. Por volta das 13h, começam a pipocar mensagens no grupo da redação no WhatsApp, com demandas para fazer mil coisas, e assim vai até 21h. Com isso, entendi que trabalho em casa é tão intenso quanto em qualquer lugar.

Assim como Alessandra, também moro longe da família, que está toda em Nova Friburgo. Vale lembrar que, entre as medidas restritivas impostas pela Governo do Estado do Rio de Janeiro, está a proibição da circulação de ônibus entrando e saindo da Região Metropolitana.

Tento não pensar que estou isolado e mato a saudade conversando com familiares pela internet, evitando falar sobre isso, para não deixar ninguém preocupado. O psicólogo clínico Marlon Bispo transmite dicas valiosas para o enfrentamento dessa situação.

"Felizmente, a tecnologia hoje nos permite estar em contato com as pessoas, o que pode diminuir bastante a solidão de quem está passando por essa quarentena sozinho. Além disso, assim como eu, muitos terapeutas estão oferecendo atendimento on-line. Mas vale lembrar que essa também pode ser uma oportunidade de se estar consigo mesmo, de se tratar com calma e gentileza, se mimar. Ler, cozinhar, praticar atividades físicas, ouvir música, aprender algo novo, enfim, são muitas as oportunidade de se viver a reclusão com prazer", ensina.

Enquanto lá fora, o mundo vive uma luta para vencer essa batalha inédita e assustadora, dentro de casa a luta de quem está sozinho é contra o tédio e a melancolia.

Assim como os artistas fazendo lives e as editoras oferecendo e-books gratuitos, a televisão também tem me ajudado muito nesses dias difíceis, uma vez que todos os canais foram liberados, independente do pacote assinado. A programação diversa e os filmes também têm sido importantes para me ajudar a passar o tempo.

Depois de alguns dias perdido entre tarefas domésticas, passatempos e home-office, outra coisa que aprendi vivendo isolado é que é bem melhor tomar um banho e vestir algo antes de começar a trabalhar, do que passar o dia de pijama em frente ao computador. Pelo menos para mim, certos rituais ajudam a dividir melhor o tempo, quando não existem deslocamentos e horários tão rígidos.

Assim como a maioria das pessoas, acredito, estou muito preocupado com os rumos que essa doença pode tomar. Afinal, já são dezenas de milhares de mortes e um número que cresce assustadoramente todos dias. Mas mesmo completamente sozinho, eu não estou triste, por sorte, não tenho tendência para a depressão.

Mas sei que outras pessoas em meu lugar estariam mais vulneráveis e que esse desafio para elas deve estar sendo bem mais difícil. Falo isso para lembrar que celular também serve para pedir ajuda e que serviços como o Centro de Valorização da Vida atende pelo telefone 188 em todo o território nacional, 24 horas, todos os dias e de forma gratuita.