Linchamento virtual é condenado

Perfis nas redes sociais foram criados para expor suspeitos de fraudes contra o sistema de cotas - Foto: Reprodução

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Nas últimas semanas, perfis nas redes sociais expuseram casos de estudantes que supostamente fraudaram o sistema de cotas para obter vagas em universidades públicas. Os casos mais comuns eram de alunos brancos que se autodeclaravam negros, pardos ou indígenas.

A divulgação provocou uma onda de ofensas aos suspeitos, prática conhecida como linchamento virtual. Para o professor da UFF e diretor do Departamento de Direito Processual, Ozeas Lopes Filho, isso mostra uma "tendência inquisitiva" na personalidade brasileira, e defende que responsáveis por fraudes devam ser "atacados", mas de acordo com a lei.

"Se alguém diver algum tipo de responsabilidade deve ser coibida essa prática, na forma da lei. Se alguém está fraudando cota deve ser 'atacado', mas através de uma ação. O que não deve ser usado é essa prática de destruir a imagem das pessoas. A sociedade brasileira ainda tem uma tendência muito inquisitiva. Existe essa conduta de que primeiro a gente acusa, depois que a pessoa prove a inocência, sem dar direito ao contraditório" , afirmou o professor.

As manifestações pela internet não ficam restritas às denúncias de fraudes no sistema de cotas. Recentemente, dois casos em Niterói provocaram reações nas redes sociais: uma denúncia feita em maio deste ano, sobre um estupro contra uma jovem de 14 anos, que teria sido cometido por um homem de 19; e uma lista com suspeitos de assediar mulheres, divulgada em fevereiro de 2020. Ambos os casos seguem sendo investigados sob sigilo pela Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Niterói.

Garantias constitucionais - Lopes prega que deve-se tomar muito cuidado ao divulgar informações pela internet, pois com o avanço da tecnologia, não existe mais distinção entre o mundo virtual e o mundo real. De acordo com o professor, a Constituição garante que todos são inocentes até que se prove o contrário, mediante todo o devido processo legal, mas nas redes sociais esse trâmite não é seguido.

"Temos a questão das cotas, da violência doméstica, dos professores, negócios fraudados. Já vi pessoas sendo expostas por supostamente estarem devendo dinheiro. A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que não existem mais duas realidades, de dentro e de fora da internet. A internet está junto com a vida real", disse.

O professor ainda ressalta que o Estado Democrático de Direito prevê que aqueles que cometam ilegalidades sejam julgados e punidos, seguindo os trâmites legais. Ele ainda ressalta que o mundo virtual não é um universo paralelo e todas as normas existentes também devem ser aplicadas por lá.

"O estado democrático de direito é exatamente isso: na forma da lei, tudo pode ser feito. Quando você sai da lei há abuso e ilegalidade, e isso é um grande problema. O campo virtual não é um mundo paralelo, e essas normas existem. É improtante a gente chamar atenção que todas essas pessoas [suspeitos de fraudes] têm direito à dignidade, honra, preservação da imagem. Elas devem ser protegidas de qualquer abalo à sua honra e dignidade, segundo o Artigo I da Constituição Federal", pontuou.

Ozeas Lopes Filho completa afirmando que a Constituição repudia comportamentos que venham a ferir a honra e dignidade de quaisquer pessoas. "No campo constitucional, a sociedade brasileira diz não a esse tipo de comportamento. Têm normas cíveis e penais que buscam coibir esse dano material e moral. Há apoio legal para isso tudo, o mundo da internet não é um mundo diferente", concluiu o professor.

Andifes se manifesta - A Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) divulgou, no dia 7 de junho, uma nota na qual defende o sistema de cotas, além de repudiar possíveis tentativas de fraude.

"Essa política vem possibilitando inclusão e acesso às universidades a segmentos da população socialmente discriminados. As instituições promovem ademais ações de acolhimento, atenção e apoio aos estudantes em suas necessidades, em seu aproveitamento acadêmico e no enriquecimento de sua experiência na universidade, visando a garantir sua permanência e o benefício de seu talento até a conclusão do curso escolhido. A Andifes repudia, portanto, as fraudes praticadas contra o sistema de cotas, que usurpam a oportunidade de acesso à vida universitária a quem teria esse direito", diz a nota.