Defensoria: primeira quinzena da pandemia registrou aumento de soltura de presos em flagrante

Presos - Foto: Thathiana Grugel/DPRJ

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A chegada da COVID-19 ao Rio de Janeiro provocou uma mudança brusca, e breve, nas decisões judiciais relativas às prisões em flagrante. Levantamento da Defensoria Pública do Rio relativo ao período entre 19 de março e 10 de maio, correspondente às sete primeiras semanas de pandemia no Estado, apontam que, excepcionalmente, na primeira quinzena do isolamento social, houve tantas concessões de liberdade provisória quanto conversões em prisões preventivas.

Relatórios anteriores produzidos pela Defensoria Já haviam identificado que, em audiências de custódia, para cada liberdade provisória concedida costuma haver duas preventivas decretadas, padrão que voltou a se repetir a partir da terceira semana de COVID no Rio.

"Uma explicação para essa tendência pode ser uma atenção maior à questão do contágio logo no início e, com o tempo e a estabilização da situação, o retorno à situação anterior", afirma a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o trabalho.

A Defensoria analisou 2395 casos de prisão em flagrante ocorridos entre 19 de março e 10 de maio. No período, 1480 homens e mulheres (62% do total) assistidos por defensores públicos do Núcleo de Audiência de Custódia tiveram o flagrante convertido em prisão preventiva. A Justiça concedeu aos outros 915 presos e presas (38%) a liberdade provisória. Esses indicadores são poucos mais favoráveis à liberdade provisória do que os constatados em igual período do ano passado, quando somente 26% dos presos em flagrante receberam o direito de aguardar o julgamento em liberdade.

No entanto, os dados reunidos pela Defensoria deixam claro que, semana a semana da pandemia, o volume de liberdades provisórias foi decrescendo gradativamente. Nos primeiros sete dias, o número de flagrantes convertidos em preventiva foi exatamente igual ao de liberdades concedidas: 164. Na segunda semana, a situação praticamente se repetiu: houve concessão de liberdade para 47% dos presos.

A partir de então, esse índice se manteve entre 36% e 34% até chegar a apenas 28% na sétima semana em que, por conta da pandemia. Nesse período, mantiveram-se suspensas as audiências de custódias, nas quais os presos em flagrante são apresentados à autoridade judicial, e as decisões se basearam tão somente em análise documental.

"Essa redução do índice de liberdades coincidiu com o período mais agudo da pandemia no estado do Rio de Janeiro, com o alcance do pico no número de óbitos por dia", avalia a coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia, Caroline Tassara.

A pesquisa da Defensoria Pública identificou também quais dos crimes cometidos mais levaram à concessão de liberdade ou à decretação de prisão preventiva. “Em termos percentuais, o crime que mais conduziu à liberdade provisória foi o crime de furto, se considerado de forma isolada, com 92% de liberdades concedidas. O crime de roubo, também considerado de forma isolada, foi aquele que mais conduziu à prisão preventiva, com 97,5% de prisões convertidas”, destaca o relatório.

Outro aspecto abordado pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça foi a fundamentação da decisão judicial para a concessão de liberdade provisória ou de conversão do flagrante em prisão preventiva.

“É possível observar que a COVID-19 é usada muito mais como argumento para conceder a liberdade provisória do que a prisão preventiva. Entretanto, como argumento de soltura, a COVID-19 é usada de maneira genérica, sem entrar em detalhes sobre a situação específica do acusado, mencionando-se apenas que deve ser solto para não aumentar o risco de exposição ao vírus dentro da população carcerária”, cita o relatório.

Por outro lado, quando usada como argumento em favor da prisão, a pandemia aparece de maneira mais específica: o custodiado não faz parte do grupo de risco, logo deve ser mantido preso. A pesquisa da Defensoria identificou nas decisões judiciais que negaram liberdade aos custodiados a justificativa de as cadeias estarem isoladas e não haver notícias de contaminação de coronavírus nas unidades prisionais.

Ainda conforme a Defensoria, "a menção à pandemia nas decisões judiciais em audiências de custódia também varia conforme o crime em análise: em 139 casos a COVID-19 foi citada em favor da libertação de custodiados acusados de furto. A doença apareceu somente três vezes como argumento para a liberdade provisória de presos em flagrante por roubo", indicando que a tendência é manter presas as pessoas acusadas de crimes considerados graves e que a COVID se tornou um argumento a mais na negativa de soltura.

"Algumas decisões negando a liberdade, mesmo em crimes sem violência ou grave ameaça, ocorreram sob a alegação de que a pandemia não seria justificativa razoável para a liberdade, em especial porque não haveria qualquer notícia de contaminação da população carcerária, que se encontraria absolutamente isolada. O isolamento absoluto é faticamente impossível, mas decisões assim se repetiram mesmo após a notícia de quatro vidas de internos terem sido ceifadas pelo COVID-19 até aquele momento", afirma Caroline Tassara.

O levantamento da Defensoria Pública constatou ainda que, ao longo das sete semanas examinadas, foi registrado aumento gradual dos crimes enquadrados na Lei de Drogas, acompanhado de queda no número de roubo e de furto.

“Percebe-se que, no começo da pandemia, é bem menor o número de prisões por tráfico de drogas, o que coincide com o período em que houve uma redução das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, onde ocorrem a maior parte das abordagens por tráfico, seguindo a lógica da criminalização do território, que associa o local da apreensão com as facções criminosas que o dominam, criminalizando as pessoas que ali circulam”, ressalta a conclusão da pesquisa.

O levantamento demonstra inclusive como, ao longo das primeiras sete semanas de pandemia, é maior a concessão de liberdade provisória para os crimes da Lei de Drogas. A incidência de 44,59% de solturas na primeira semana despenca para 9,26% na sétima e última semana.

"A diferença pode ser atribuída ao fato de, nas primeiras semanas da pandemia, os crimes de Lei de Drogas terem sido praticados na forma simples. No decorrer do período, porém, foram registradas mais ocorrências desses crimes em concurso com outros, ou seja, com tráfico e/ou associação para o tráfico. Essa mudança na tipificação é consequência de não ter havido operações policiais em comunidades nos primeiros dias da pandemia. À medida em que essas operações foram retomadas, houve mudança no perfil dos crimes bem como na frequência com que os presos em flagrante por Lei de Drogas tiveram liberdade provisória negada", analisa Carolina Haber.