Arte fala mais alto e ajuda paciente a superar desafios

Cidades
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Rafael diz que o desenho encanta sua vida e não se imagina sem a arte

Foto: Marcelo Feitosa

A arte pode superar desafios, até o de um tratamento psiquiátrico. Rafael Matos, de 29 anos, diagnosticado com esquizofrenia, encontrou na pintura a força para enfrentar o dia a dia. Há 10 anos internado no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ), em Niterói, ele faz das tintas e telas a sua terapia, e da clínica, o seu refúgio.

“O desenho tomou tamanha proporção que já não há separação entre eu e a pintura. Não consigo me imaginar sem a arte. E não consigo me imaginar sem o hospital”, diz o artista.

O amor pela arte surgiu quando criança. Aos cinco anos, foi incentivado pelo tio, também artista, a seguir o caminho. Enquanto o tio esculpia rostos em madeira, Rafael tentava reproduzir o mesmo nas telas. Morando na casa dos avós, ele copiava os quadros pendurados na parede.

Com a morte dos avós e a venda da casa, Rafael passou a dormir nas ruas e foi com a ajuda da arte, vendendo alguns de seus quadros, que ele conseguia sobreviver.

Assim que chegou ao HPJ, psicólogos e outros profissionais perceberam a afinidade de Rafael com a arte. O estímulo surgiu com alguns frascos de tinta dados a ele. A partir daí, observar a história de outros colegas que viviam naquele espaço se tornou sua inspiração.

“Eu gosto de desenhar figuras humanas. Meu primeiro desenho aqui no hospital foi um outro paciente. Eu me perguntava como consegui desenhá-lo. Depois comecei a perceber a bonita relação entre os médicos e pacientes que conviviam comigo e isso me inspirava”, contou Rafael, que, ao som de música clássica, deixa a imaginação fluir.

Exposição – Entre tantos nomes, Rafael faz questão de carregar em sua memória todas as pessoas que o incentivaram. Através deles, o rapaz ganhou uma bolsa de estudos com um professor renomado e já participou de uma exposição em uma importante galeria de Ipanema, a Claudia Spinola.

“Tive muitas pessoas que passaram pela minha vida e que fazem parte do eu consegui aprender até hoje. Foram pessoas que influenciaram muito na minha arte e que eu admiro muito”, agradeceu Rafael.

E o talento não acaba por aí. Ouvindo aulas de desenho animado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o artista colocou em prática o seu conhecimento. Dominando as artes gráficas, já produziu desenhos para grandes artistas.

“Participei do processo criativo da série ‘Juro que Vi’ e já até trabalhei com a Xuxa”, revela, orgulhoso.

Uma sala improvisada abriga parte de seus 650 desenhos, inclusive uma tela de dois metros, intitulada de “Encontro do confronto com a paz”. Mas esse espaço de criação não foi o suficiente para o tamanho do seu talento. Sensibilizados com a história de vida do rapaz, os funcionários decidiram dedicar um espaço especial para o trabalho do pintor, além de tantos outros pacientes que fazem da arte o seu tratamento.

“A sala que o Rafael usa é do ambulatório, e volta e meia seu trabalho é interrompido por reuniões. Ele acaba prejudicado. Ter seu espaço de criação é fundamental para qualquer artista. Por isso, oferecer toda a estrutura necessária é importante. Isso é até uma estratégia para o tratamento: atenção psicossocial que oferece vários espaços. Ele é um artista”, explicou o diretor do HPJ, Raldo Bonifácio.

Incentivo – Cercado de admiradores, Rafael também é acompanhado pelos psicólogos Tatiana Holanda e Luiz Eduardo. Os profissionais falam sobre a importância que a arte ganhou no tratamento do rapaz.

“Se tem alguma coisa que caracteriza o Rafae é que ele consegue falar com a gente através do que pinta. É esse caminho que a gente segue para tentar acompanhar a trajetória psiquiátrica dele. Se ele arranjou alguma saída para se expressar, foi através dos quadros. O que ele pinta é o que acontece na vida dele”, destaca Luiz.

Transitando entre as internações e a vida na rua, o paciente com transtornos mentais deixa de existir e dá lugar ao artista que existe dentro dele, dando uma lição de vida para quem o conhece.

“Impossível não se afetar. A gente nunca está separado do nosso trabalho. Somos nós que estamos aqui. É importante que a gente não paute totalmente a nossa função nessa afetação. Mas é sempre gratificante se deparar com uma pessoa tão interessante como o Rafael”, diz Tatiana.