A banca paga, a banca cobra

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No jogo de roleta existe um ditado muito conhecido para aqueles que acreditam na fortuna: “a banca paga, a banca cobra”. Por outro lado, digo aos meus alunos que todo leigo tem direto de errar, notadamente, quando o tema envolve matéria própria de nossos estudos, o Direito. 

Ainda que inaceitável, porém, justificável, entendendo que pessoas não familiarizadas desconheçam que no Direito ao se violar um de seus princípios, os reflexos se estendam por todo o sistema, dito de outra maneira, como ordenamento complexo o Direito não admite jeitinho ou casuísmos, portanto, todas as vezes que assim tentam fazer o resultado é infame.  

De outra face, na esteira contrária ao Direito, por exemplo, temos os rocambolescos programas televisivos que alimentam a indústria da violência, não bastasse ela per si, onde seus apresentadores montam espetáculos horripilantes, ignorando valores de uma sociedade civilizada firmados ao longo da história e não raramente confundidos com as próprias vidas que garantiram suas conquistas, no entanto, no objetivo da audiência e da fama, para esse tipo de mercadores midiáticos, tudo é possível, não há limites éticos ou morais, compromisso com o estado democrático de direito ou qualquer de seus desdobramentos.  

Por sua vez, equilibrado em normas jurídicas, o Direito repousa mais em seus princípios que nas próprias leis – resultado positivado desses valores superiores –, assim, por exemplo, são os princípios que exaltam a vida, a liberdade e a justiça prometida pelo Estado aos seus súditos; o direito que proíbe o cidadão é o mesmo que estabelece, garante e assegura os devidos limites do Estado. 

Alguns desses princípios procedem de longos enredos, ente eles o da Presunção de Inocência, assegurador impeditivo que o Estado, titular do monopólio de perseguir e punir os imputados, trate como se culpados fossem aqueles que ainda não possuem condenação penal definitiva, ou seja, decorrente dessa conquista todos são inocentes até o trânsito em julgado dos processos, baluarte de segurança daquilo que o Ministro Marco Aurélio Mello proclamou na semana passada: “Mil vezes culpados soltos do que um inocente preso”. 

Todavia, parece que a maioria de seus pares do Supremo Tribunal Federal, não comungam dos mesmos valores, precisamente, sete entre os onze magistrados daquela Corte ignoram a conquista histórica da sociedade moderna e livre, que tem origem na Magna Carta Libertatum de João-Sem-Terra, em 1215 na Inglaterra. Com tamanha dimensão garantidora, foi consolidada após a Revolução Francesa com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, ainda em 1789, onde registrou no seu art. 9º: “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda de sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela lei”. 

Contemporaneamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, comemora e prescreve na mesma direção histórica: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” 

De mesmo modo, não é diferente em outros diplomas internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU – 1966); a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica - 1969); e mesmo no Brasil, quando ao fim da ditadura militar de 1964, a Constituição de 1988 prescreveu taxativamente no seu art. 5º, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 

Diferentemente dos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, os demais juízes que alteraram entendimento precedente do próprio Tribunal, filiaram o Órgão com a uma perigosíssima escolha de lado, posicionaram o STF no flanco da torcida que grita, apupa e aponta polegares para baixo nas arenas lotadas ou que garantem patrocinadores de iogurteiras em programas vespertinos. 

A partir dessa manifestação judicial, todos podem ser presos ainda que não esgotados todos os trâmites processuais, antes de terem seus processos julgados definitivamente, assim, as pessoas estão sujeitas ao cumprimento antecipado de sentenças, mesmo que ao final, em último grau, reste tudo por anulado ou sejam inocentados de suas imputações.  

Com mais essa decisão – entre outras que também espantam pela ousadia retrograda – o Supremo ganhou no “pleno”, quer dizer, para cada ficha apostada trinta e seis voltaram na forma de capital popular para aquela judicatura, entretanto, embora nas graças de boa parte do público abriram espaço para outras violações, que não mais assustarão por seus atrevimentos, porém, essa foi a hora da banca pagar. Como afirmamos, o Direito não comporta jeitinho ou casuísmos, da mesma maneira não pode pretender ser o campeão de audiências na programação televisiva, ainda restará uma amarga lição de tudo isso, nenhum julgador viola texto constitucional sem consequências, sendo assim, chegará a hora que a banca vai cobrar.