Bruxo, black bloc, coxinha... como te chamam?

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O constrangimento do Santo Ofício a Galileu Galilei não foi exceção, ao contrário, a inquisição, moldada a partir do Tratado de Paris, em 1229, oficialmente serviu como instituição de perseguição e combate a uma infinidade de hereges, feiticeiros e bruxas, porém, outras razões motivaram suas práticas.

Objetivamente, durante seu momento mais intenso, a inquisição se preocupava com duvidosos de qualquer dogma da fé oficial, em especial com aqueles que perquiriam o status quo, posto que a legitimidade do modelo fincava-se em concepções ontológico-metafísicas, dito de outra maneira, se alguém era rei, ladrão, nobre ou mendigo, não estava naquela condição por outra vontade senão a do próprio criador, seus destinos estavam traçados de antemão por essa força cósmica, portanto, não só as ciências eram imutáveis, mas o próprio modelo social e poder eram impassíveis de alteração.

Desta forma, cabia a cada um cumprir sua trajetória no mundo, agradecendo a oportunidade de salvação eterna para alcançar melhor vida em outra existência e, enquanto o destino não se cumprisse e a pessoa estivesse longe do paraíso, seu dever era ser fiel ao rei e a igreja, sob pena dessa rebeldia gerar algum tipo de acusação de pacto com forças do mal, assim, a fé e o poder se enlaçavam no propósito de garantir a manutenção do modelo.

Não por acaso, “a grande caçada às bruxas se torna mais intensa e feroz nos períodos em que ocorrem desastres, epidemias, calamidades e crises sociais profundas. Este é o caso justamente da Europa no final do século XVI e início do XVII: momento de grande crises sociais, religiosas e políticas (...) Em boa parte perseguia-se ao mesmo tempo as revoltas camponesas masculinas e a feitiçaria camponesa feminina. Melhor ainda: perseguia-se as bruxas para se perseguir os pobres camponeses”. – JAPIASSU.

Então, contextualizando para os tempos atuais, se pode observar que embora a “caça as bruxas” nas suas práticas de origem tenham deixado de acontecer, no entanto muitas seitas ainda insistam em perseguir costumes e práticas sociais em nome de Deus, enquanto outras mais fervorosas acreditem que uma “boa fogueira santa” seja salutar para a moral e bons costumes – não se duvide de nada! –, o fato é que em nome da estabilidade do modelo e preservação das frágeis legitimidades, os novos bruxos são reposicionados e nominados conforme as ideologias que advoguem.

Mutatis mutandis, quando a rebeldia se insurgia em algum campo ou destruía patrimônio privado no século XVII, seus articuladores eram acossados e nominados de hereges, bruxos ou feiticeiros, enquanto hoje, quando em similar movimento de descontentamento segmentos da sociedade se insurgem a conjuntura, além de serem arrostado, recebem apelidos variados que os estigmatizam diante do corpo social, muitas vezes embalados por poderosa mídia, também interessada na manutenção da ordem vivente.

Assim, no mesmo argumento de nossa última coluna, embora a inquisição, formalmente tenha acabado, suas práticas permanecem, ora disfarçada em tom político republicano, ora em escancaradas profecias medievais, porém, tal e qual seu modelo ancestral, o que permanece em jogo é a eleição de inimigos de toda sorte, que sirvam de justificadores à proteção da ordem vigente.