Para quem Jesus nasceu?

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A proximidade do Natal acende lâmpadas, exibe enfeites, lança no ar o perfume da solidariedade e do amor. Nesse clima somos convidados a nos lembrar dos esquecidos. A África é a parte de si mesmo que o mundo esqueceu.

O fim do domínio colonial europeu, entre 1950 e 1960, despertou uma onda de otimismo. Dezenas de novos países independentes surgiram com desejos de liberdade e desenvolvimento. Mas a história foi outra. Os sonhos generosos esvaíram-se em pesadelos de guerras civis, corrupção endêmica, fome, doenças e devastação ambiental. 

O fato é que existe o Mundo Ocidental e o Mundo Oriental, e no meio deles, a África. Que não faz parte de mundo nenhum. Embora no mapa-múndi ocupe uma posição central, na verdade, é como se não existisse, a não ser em enredos culturais, como atração, nunca como realidade.

O fato é que a opinião pública mundial só percebe que a África existe quando a guerra, a fome e a seca atingem proporções catastróficas. Daí é provável que os astros da música pop promovam algum show beneficente. Ou que os chefes de Estado de países ricos, reunidos em algum evento, assinem compromissos solenes de “acabar com a miséria de uma vez por todas”. Prazos distantes são fixados para problemas urgentes. E a única urgência que se vê é a pressa com que as promessas são esquecidas. 

Enquanto isso, a fome produz doenças que já foram erradicadas em outros lugares. A mortalidade infantil da África é causada por males, já sanados, como malária, pneumonia, diarreia e sarampo. A AIDS continua aterrorizando uma população sem acesso a medicamentos retrovirais.

Tudo isso é o fruto podre de uma história ácida. 

A partir do século XVI, o continente africano se tornou fornecedor de mão de obra escrava. Milhões de negros, submetidos a condições sub-humanas, atravessaram o Atlântico para o trabalho forçado nas Américas. Em 1885, representantes das potências europeias, reunidos em Berlim, traçaram um novo mapa para a África e a repartiram entre si. A divisão, porém, foi feita por quem nunca havia pisado no continente. Fronteiras artificiais definidas pelas potências separaram para sempre povos inteiros, quando não colocaram do mesmo lado inimigos mortais. Até hoje o solo da mãe África vem sendo irrigado com o sangue de seus próprios filhos.

A África é um continente de ressentimentos. Mas nem sempre foi assim. A terra jovem de onde o Homo sapiens saiu para desbravar o mundo é, hoje, uma velha senhora espoliada, sentada à sarjeta por onde passa o lixo do mundo. Mas nem sempre foi assim. É só lembrar do Egito Antigo para constatar que, realmente, nem sempre foi assim.

Diante da miséria do mundo, não há como não perguntar para quem, mesmo, Jesus nasceu? A resposta se encontra em nossos presépios. Ele nasceu para todos: dos pastores, ali perto, aos magos, lá longe. Para todos. Sem a menor dúvida, para a África também. Parece que o mundo não quer saber disso. Mas já passou da hora de saber, não passou?