Se queres, podes limpar-me

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A misericórdia de Deus não é uma teoria. Ao contrário, é uma realidade fascinante. Junto dele, os enfermos recuperam a saúde, os possuídos são resgatados de seu mundo escuro e os mortos voltam a experimentar como a vida pode ser boa.

Quando João manda emissários a Jesus, perguntando se era Ele mesmo o que todos esperavam, Jesus aponta o que estão vendo: cegos recuperam a vista, paralisados andam, leprosos são purificados, mortos ressuscitam... E devolve uma estocada em forma de bem-aventurança, bem ao estilo dele: Feliz aquele que não se escandalizar por causa de mim!

Essa é a resposta. Nenhum conceito metafísico-transcendental é construído. É a vida que responde à vida. É a alma que cura a alma. 

Marcos narra que, de forma inesperada, um leproso “se aproximou de Jesus”. Moço atrevido, aquele! A Lei proibia absolutamente qualquer proximidade entre “leprosos” e “normais”. Ele se atreve a desafiar, sabe que está agindo mal, põe-se de joelhos, e a partir do chão desfere essa súplica: Se queres, podes limpar-me. Súplica, nada, aquilo foi um desafio! Jesus também se atreve a desafiar, toca-o e lhe diz: Eu quero, fica limpo!

O que foi que o limpou: a palavra ou o toque? Ou ambos? E se Jesus não o tivesse tocado? E se Jesus também não houvesse desafiado a norma? 

O milagre, o que limpou aquela vida em muitos aspectos, miserável, é que os limites excludentes entre os dois foram ultrapassados, superados e vencidos. É disso que são feitos os milagres.

É difícil imaginar a cena, mas eu quase vejo os olhos de ambos, segurando o que a alma vaza quando não contém o incontido. O texto diz, literalmente, que Jesus se comoveu até as entranhas. O que nos impede de pensar que o moço leproso também estivesse assim? De social e religiosamente excluído, ele se tornou livre, e íntimo, de alguém soberanamente livre e íntimo dos menores.

Jesus não aceita nenhuma sociedade que não aceita os excluídos. Jesus não se faz conivente com nenhuma sociedade que exclui. Pelo contrário, onde houvesse excluídos, ali se encontraria o Jovem de Nazaré, no meio, como um deles, sendo um deles. Pagou? Sim, pagou: preço alto. Escolheu a dedo ser excluído, da pior maneira que um súdito de quinta-categoria do império romano poderia ser. O preço da coerência.

Pela Lei, o homem leproso deveria vestir vestes rasgadas e gritar por onde passasse: Impuro! 

Pelo amor, o homem limpo saiu da presença e contrariou Jesus. 

Passou a anunciar, em altos brados, quem lhe havia restituído a condição humana e a possibilidade de se olhar de novo nos olhos dos outros. Jesus mandou que ele não contasse nada a ninguém. É claro que ele desafiou a ordem! E é claro que Jesus sabia que seria assim! Se aquele adorável moço leproso já havia quebrado convenções e se aproximado dEle, por que não continuaria quebrando outras convenções, agora que continuava adorável, e limpo?

Coisas do Evangelho!