A simplicidade

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Gostaria de aproveitar este mês, antes que a Quaresma nos alcance, para refletir com vocês sobre temas que fazem parte do cotidiano, das conversas do dia a dia, daquilo que chamamos senso comum. Ele nos constitui e nos desvela, mas quase sempre nos deixamos revelar sem refletir. Sentimos o que todos sentem, pensamos o que todos pensam, falamos o que todos falam. Mas será que é isso mesmo?

Geralmente, ouvimos alguém dizer: eu sou uma pessoa simples, sem se perguntar nem ter alguma clareza sobre o que é ser uma pessoa simples. Enfim, sobre o que é, afinal, a simplicidade.

Pensemos na rosa. A rosa não tem porquê. Floresce porque floresce, quando floresce. Não se preocupa consigo nem deseja ser vista.

A simplicidade é isso: é nudez, despojamento, pobreza. A simplicidade não tem outra riqueza senão tudo, não tem outro tesouro senão nada. Liberdade, leveza, transparência. Simplicidade é uma janela aberta ao grande sopro do mundo, para a infinita e silenciosa presença de tudo.

Quem é realmente simples não simula, não presta atenção em si, não calcula, não tem segundas intenções. É o que é, e pronto. Não precisa ser mais nada do que aquilo que já é.
A simplicidade não é uma virtude da infância, mas trata-se de uma infância como virtude. Uma infância reencontrada, libertada de si mesma: da imitação dos adultos, da impaciência de crescer, da grande seriedade de viver, do grande segredo de ser si mesmo. É a infância do espírito, a que as crianças, mesmo, quase nunca têm acesso, porque isso requer um requinte que a infância não tem.

Não é curioso? Simplicidade exige requinte. Sim. O contrário do simples não é o complexo, mas o tosco.

Olhai as aves do céu, considerai os lírios do campo...

Nunca ouvimos nada assim! Tão profundo! E tão simples! Vamos aqui e ali, à procura de uma alegria por toda parte, em migalhas, quase nunca achamos. Porque o saltitar do pardal é a única possibilidade de saborear Deus, caso ele se veja espalhado pela Terra. Tudo é simples para Deus, tudo é divino para os simples.

Nossas melhores ações são suspeitas, nossos melhores sentimentos, equívocos. O simples sabe disso. E nem se importa. Segue seu pequeno caminho, de coração leve, de alma em paz, sem objetivos nem impaciências nem nostalgias. O mundo é seu reino, e isso lhe basta. O presente é sua eternidade, e isso o satisfaz. Nada a provar, pois não quer parecer nada. Nada a buscar, porque já está tudo ali.

Imagine ter a guarda do quadro da “Monalisa” (a verdadeira) em casa, mas sem poder contar a ninguém, para não correr o risco de ser roubado ou ser morto. E se pudesse expor na parede, quem iria acreditar? Todos diriam que era uma cópia e encontrariam defeitos de cópia. Ou seja, você teria um trambolho, sem utilidade alguma!

A simplicidade dispensa tudo isso, provas e demonstrações. Não precisa. Está tudo ali onde deveria estar, e sem se constituir num dever. O que é melhor ainda!