Certezas questionadas em cena

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“Em um lugar chamado Lugar Nenhum” narra as mudanças na vida de um casal que sai de uma cidade que não existe no mapa rumo à cidade grande

Divulgação

Encerrando a programação do “Niterói em Cena” estão os espetáculos “Em um lugar chamado Lugar Nenhum” e “Dois Amores e Um Bicho”, ambos com apresentações no Teatro Popular Oscar Niemeyer sexta e sábado, às 20h, respectivamente. O primeiro é do carioca Grupo Raíz e narra a história de um pequeno vilarejo nordestino com a chegada do rádio em meados dos anos 1950. Já o segundo, da também carioca Notória Companhia de Teatro, fala sobre a intolerância cotidiana através da história de uma família.  

Escrita por Agatha Duarte, atriz na peça, “Em um lugar chamado Lugar Nenhum” estreou em 2015 no CCBB. No ano seguinte, fez apresentações teste e amanhã fará essa única apresentação em Niterói. O espetáculo relata a história de um jovem casal que vive em Lugar Nenhum, uma cidade que não existe no mapa. O sonho da moça é conhecer o mundo e o do moço é ficar no vilarejo e ter filhos. Com a chegada do rádio, ela começa a ficar deslumbrada. Até que vai embora e ele vai atrás, só que os dois vivem histórias completamente diferentes fora da cidade. 

“O espetáculo não tem uma visão maniqueísta do que é certo e errado. Hoje o mundo está muito assim, dualizado. E o texto da peça fez questão de mostrar que os pontos de vista estão aí para ser vistos, sem julgamentos”, analisa Agatha. 

Samuel Paes de Luna e Daniel Carneiro completam o elenco, com direção de Rogério Fanju. O espetáculo é todo baseado em literatura de cordel e, segundo a autora, o texto foi uma expressão de várias obras brasileiras, tem muito de Ariano Suassuana, Adriana Falcão e de filmes como “Casa de Areia”, de Andrucha Waddington. 

“Quis abordar também essas pequenas poesias que a gente deixa passar por toda a vida, por isso, fiz desse espetáculo uma apreciação poética. Quis passar também um pouco da nossa cultura, vivemos um momento em que é tudo americanizado, tudo é de fora, uma cultura importada. Até o cenário simples – com apenas uma cama em cena –, representa isso. A gente quis apostar na simplicidade”, ressalta Agatha, vencedora do prêmio on-line de Melhor Atriz em 2015, do Botequim Cultural; a peça ainda foi indicada nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Iluminação. Em 2016, foram indicados a Melhor Texto e Melhor Figurino no Festival de Teatro do Rio de Janeiro.

Com texto do premiado dramaturgo venezuelano Gustavo Ott, “Dois Amores e Um Bicho”, com direção de Danielle Martins Farias, será apresentado no sábado. A peça narra uma situação do passado em um passeio da família em um zoológico. O pai se vê obrigado a reviver um episódio repugnante, quando matou seu cachorro a pontapés por considerá-lo homossexual. O elenco é formado por Adriana Seiffert, Ana Moura e José Karini.

De acordo com a diretora, o espetáculo procura levantar questões e mostrar diferentes pontos de vista. 

“A família é o microcosmo da sociedade, onde tudo se dá. Levantamos questões, não damos respostas: é um convite para que cada um questione suas ‘verdades’ e promova um embate com seus próprios limites. A cultura alarga as fronteiras do pensamento, da sensibilidade, da percepção do mundo. No nosso momento atual isso não é somente necessário, é urgente. Ela é tão transformadora que as tentativas de desqualificá-la e censurá-la estão se tornando cada vez mais frequentes – basta ler as notícias da semana sobre espetáculos censurados, exposições suspensas e quadros apreendidos. Quanto ao teatro, essa arte tão artesanal em tempos de tecnologia, presencial em tempos de virtualidade, que insiste em reunir pessoas para ser conjuntamente construída em tempos tão individualistas, acredito que seja um ato de resistência por si só, um lugar para compartilhar as perplexidades do nosso tempo”, argumenta Danielle, que conheceu o texto em 2013, quando ministrou uma oficina de estudo de dramaturgia latino-americana na Escola Sesc, em Jacarepaguá.

Para ela, olhando pra trás, percebemos a reverberação desse ano emblemático na política brasileira em nossas vidas cotidianas, um período que gerou o início de fenômenos que se tornariam cada vez mais comuns em todo o mundo.

“Uma polarização política simplista, dividindo as pessoas em boas e más – sendo, obviamente, as boas, as que estão do nosso lado e, as más, as que estão do lado oposto. A crise econômica e política que espalha insegurança, uma mídia que divulga acontecimentos de forma seletiva para gerar mais vulnerabilidade, um medo que se retroalimenta e abre as portas para posicionamentos extremos. A família se tornou um território de defesa. Defesa de quê? Do outro, do diferente de nós. Intolerância à diferença é o cerne de todo pensamento fascista. Se existem dois lados, e somente um é o ‘certo’, estamos autorizados a eliminar o outro e o medo é o motor do ódio que explode em ações violentas. Foi o que o autor Gustavo Ott chamou de ‘fascismos cotidianos’”, pontua.

Segundo o realizador do “Niterói em Cena”, Fabio Fortes, o festival teve um público acima do esperado. Na sexta e no sábado passado, por exemplo, foram quase 400 pessoas presentes. As festas foram muito concorridas e as oficinas receberam 500 inscrições no total. 

“Houve integração entre os artistas da cidade com artistas de todo o Brasil. A vivência do pessoal foi muito importante e o diferencial dessa edição. Os debates que acontecerem no final de cada peça e cenas curtas foram bem intensos, e tenho certeza que a galera vai pensar sobre o fazer teatral depois da experiência. É a primeira vez que tivemos oficinas, uma demanda do pessoal do teatro mesmo, uma capacitação para os artistas da cidade. Esse foi outro ponto muito positivo do festival”, avalia Fabio. 

Programação: 
Dia 22 Oficina Cena Contemporânea em Jogo, com Marcos Bulhões, das 10h às 14h (32 vagas).
Local: Teatro da UFF – Rua Miguel de Frias, 9 – Icaraí
Dia 23 Oficina Atuação e Sonoridade, com Moacir Chaves, das 10h às 14h (40 vagas). 
Local: Teatro Popular Oscar Niemeyer – Rua Jornalista Rogério Coelho Neto, s/n, no Centro.
Dia 24 Oficina Workchoque, com Marcio Libar, das 10h às 14h (40 vagas). Premiação e Encerramento do Festival, às 20h. 
Local: Teatro Popular Oscar Niemeyer – Rua Jornalista Rogério Coelho Neto, s/n, no Centro.