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O filme, que concorre ao Grande Prêmio, foi baseado no clássico da literatura fantástica de Henry James, de quem o niteroiense conhece bem a obra.

Divulgação

O livro “A volta do parafuso” (1898), do escritor inglês Henry James, inspirou o longa “Através da Sombra”, que se passa na década de 30 em uma fazenda de café e apresenta um equilíbrio entre a tensão e a beleza. Com esta produção, o cineasta niteroiense Walter Lima Jr. concorre ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, que acontece hoje no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na categoria Melhor Roteiro Adaptado. 

Esta não é a primeira vez que Walter Lima Jr. é reconhecido pelo seu trabalho. Ao longo de sua carreira como cineasta e roteirista, já recebeu prêmios de Melhor Diretor no Festival de Natal com o filme “Ele, o Boto” (1987), de Melhor Filme no Festival de Havana com “Inocência” (1983), entre outros. “Através da Sombra”, inclusive, já recebeu prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Atriz (Virginia Cavendish) no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre 2016 (Fantaspoa) e Melhor Direção de Fotografia e Melhor Atriz (Virginia Cavendish) no FestAruanda, em João Pessoa.

“Um prêmio significa recompensa, mas, sobretudo, alegria por saber que seu trabalho permanece vivo e interessante para o espectador, seja ele um especialista ou um espectador comum. Creio que nosso cinema vive um momento de real maturidade e ser destacado dentro deste quadro é sempre bom”, declara Walter. 

O filme, que concorre ao Grande Prêmio, foi baseado no clássico da literatura fantástica de Henry James, de quem o niteroiense conhece bem a obra. O desejo de contar uma das histórias do inglês sempre existiu e a “A Volta do Parafuso”, considerada por ele a mais desafiadora em seu mistério, era uma delas. 

“A pequena novela de Henry James é desafiadora, se pensarmos numa transcriação de sua origem gótico-vitoriana da Inglaterra dos fins do século 19 para abaixo da linha do equador, onde a sensualidade e o permissivo permeiam cultural e politicamente o nosso comportamento. Trazê-la até nós era um grande desafio e eu gosto disso”, revela o niteroiense, que completa que a naturalização do tema foi recriada no início dos anos 30, onde ainda se pode sentir o clima de submissão dos anos da escravatura e das medidas que estão sendo tomadas no campo da economia (a queima do café, por exemplo); e o olhar e o desejo feminino em um universo predominantemente masculino em busca de esclarecimento, de um equilíbrio possível antes do medo e da consequente loucura.

“Através da Sombra” foi lançado em novembro do ano passado e é o resultado da atração que Walter Lima Jr. tem pela recriação de um clima, de uma atmosfera e de um ambiente onírico no uso do cinema, que pode ser sentido também em outras produções suas como “Ele, o Boto” (1987), “Inocência” (1983) e “A Ostra e o Vento” (1997). Dão vida ao suspense os atores Virginia Cavendish (Laura), Domingos Montagner (Afonso), Ana Lucia Torre (Dona Geraldina) e Mel Maia (Elisa). 

Acima, Walter e as atrizes Mel Maia e Virginia Cavendish no set de filmagem

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“Foi um grande prazer poder trabalhar com um elenco afinado com o meu trabalho e com uma narrativa que Jorge Luis Borges considerava como ‘o maior de todos os contos de mistério’. Tudo funciona para manter esse mistério vivo, sobretudo a luz, a cenografia e a locação - uma rica e bela fazenda imperial no vale do Paraíba que nos proporcionou a atmosfera desejada”, destaca.

A narrativa foi construída para envolver o público numa densidade acima do real e provocar-lhe grande emoção. Nela, a jovem e tímida Laura (Virginia Cavendish) é contratada por um homem rico para cuidar de seus dois sobrinhos órfãos, que moram em uma fazenda. No decorrer da trama, com a presença de escravos e da governanta Geraldina (Ana Lúcia Torre), Laura tem a impressão de que a casa esconde segredos obscuros. Para Walter Lima Jr., mesmo frente às limitações do mercado brasileiro, desfavoráveis ao filme, quem pôde assisti-lo foi envolvido por sua atmosfera e sentiu o vigor de sua construção.

“O filme envolve o público com grande precisão. Mas o tempo dirá melhor sobre sua repercussão, isso porque não se trata de um filme ‘datado’. Ele é mais permanente do que parece e suas possibilidades no mercado internacional são amplas. Ele é cinema com elevado padrão de exigência”, opina.

Antes de mergulhar profissionalmente no universo do cinema, Walter Lima Jr., que inventava filmes ainda menino, chegou a graduar-se em Direito na Universidade Federal Fluminense. Sem apoio dos pais para aproveitar a bolsa de estudos que ganhara no “Centro Sperimentale di Cinematografia” em Roma, foi somente quando trabalhou na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio que pôde enxergar claramente a possibilidade de trabalhar profissionalmente na área.  

“Ali organizei um ciclo de filmes do cineasta argentino Leopoldo Torre Nilsson, escrevi o catálogo da mostra e fui convidado por ele para estagiar num filme que ele realizaria no Rio. Logo em seguida, trabalhei como um dos assistentes de Adolfo Celi num filme inacabado chamado ‘Marafa’. O convite de Glauber Rocha para assistir a direção no filme ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ surgiu após essa interrupção e foi o ponto inicial de minha vida profissional”, conta o cineasta.

O niteroiense estreou como diretor cinematográfico em 1965, com “Menino do Engenho” - filme que percorreu a América e a Europa como um dos títulos principais do movimento Cinema Novo e foi agraciado com todos os prêmios nos festivais nacionais daquele ano. Desde então, nunca mais parou. Além de sua extensa filmografia, dirigiu cerca de 60 documentários para o programa “Globo Repórter”, minisséries para a TV, incluindo uma temporada da série norte-americana “Who’s the Boss”, e peças teatrais.