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A escritora é também professora de Letras da Uerj e mora em Niterói há mais de 30 anos. Os livros são resultados de pesquisas desde os anos 90 sobre os assuntos

Foto: Lucas Benevides

A autora e professora da Uerj Carmem Negreiros lança as obras “Lima Barreto, Caminhos de Criação” e “Ronaldo Lima Lins: Criação e Pensamento”. No primeiro, em parceria com Ceila Maria Ferreira, ficam enfatizados os aspectos culturais e literários de um momento de crescente modernização do espaço urbano com invenções tecnológicas, deslocamentos espaço-temporais e transformações políticas e econômicas que mudaram definitivamente o dia a dia. Na obra, é retratada a cidade do Rio de Janeiro em toda sua beleza, mudança e complexidade. O livro busca renovar o olhar sobre como o romance “Recordações do escrivão Isaías Caminha” foi integrado ao modelo brasileiro, revelando a forma como foi trabalhado pelo autor Lima Barreto.

Já em “Ronaldo Lima Lins: Criação e Pensamento”, produzido junto ao dramaturgo Theotonio de Paiva, são apresentados os aspectos escolhidos para a produção das obras de Ronaldo Lima Lins, escritor e ensaísta, com diversos projetos de pesquisa, livros e estudos utilizados em diversas instituições do Brasil. O livro é formado por artigos e ensaios que cuidam da crítica filosófica, literária e dos dilemas atuais, enquanto as fotografias em preto e branco transportam o leitor pela vida cultural do País. Em um empolgante bate-papo com a autora, desvendamos um pouco da criação e das novidades encontradas nas duas edições críticas sobre as obras dos dois autores nacionais.

Você fez duas parcerias para os lançamentos de “Lima Barreto, Caminhos de Criação” e “Ronaldo Lima Lins: Criação e Pensamento”. Como elas aconteceram?

Acho que, na pesquisa e na vida, as parcerias são fundamentais. Além da troca humana enriquecedora, é fundamental a troca de métodos, abordagens, perspectivas. É uma oportunidade para ouvir, receber e oferecer. Sem o trabalho em parceria, não seria possível abordar uma variedade de temas com qualidade, desde os impactos culturais da reforma urbana do Rio de Janeiro, no início do século XX, que alcançou também Niterói, até a diálogo tenso da literatura e da arte com as novas tecnologias como o panorama, fotografia, cinema e a imprensa, o questionamento do papel da literatura e as produções literárias em meio a esse contexto rico e complexo.

Sobre a obra de Lima Barreto, o que veremos de novidade?

Esta é uma edição especial porque é a primeira edição crítica do romance de estreia de Lima Barreto. E tem por finalidade desfazer certezas da história literária que conferem ao romance um lugar menor no conjunto da obra do autor e da produção romanesca, no Brasil, das primeiras décadas do século XX. Na busca de possíveis respostas a esses questionamentos, foram consultados documentos como a correspondência e os artigos da imprensa sobre a obra; as obras consultadas pelo escritor, uma vez que a escritura associa-se ao processo de leitura, porque todo escritor é também leitor, da tradição literária e de seus contemporâneos. Tudo para responder à questão primordial: como Lima Barreto escreveu seu romance de estreia, sob que condições, em que bases realizou o diálogo com outros textos. 

O que os fãs de Lima Barreto podem aguardar?

“A edição propõe aos leitores o convite e o desafio de rever os conceitos criados em torno do romance de estreia de Lima Barreto. Os argumentos de que os romances do escritor carioca necessitam de melhor acabamento formal e estilístico são profundamente revistos em “Lima Barreto, caminhos de criação”. Entre as estratégias para o romance de estreia, destacamos a problematização da autoria, a inserção de aspectos impressionistas numa temporalidade complexa, o tom lírico e reflexivo que retira da ação sua preponderância. Vale ainda destacar que “Recordações do escrivão Isaías Caminha” tornou-se muito conhecido por problematizar a imprensa e suas relações de poder.

O que poderia revelar sobre a obra crítica ao trabalho de Ronaldo Lima Lins, cuja edição é dividida em três eixos?

Em “Ronaldo Lima Lins: Criação e Pensamento”, professores e pesquisadores aceitaram o desafio de dialogar com a ficção, o ensaio e a poesia do autor, movidos pela necessidade de compreender o seu movimento intelectual. Assim, ao longo dos artigos e ensaios, é possível identificar os aspectos da crítica filosófica e da tradição literária, interligados ao presente e seus paradoxos, que chamam a atenção na obra do escritor. Num primeiro momento, o leitor vai encontrar um registro afetivo da memória. Fotografias, alinhadas em perspectiva cronológica, ajudam a construir uma narrativa das ações, conquistas, amizades, pensamento e vivência intelectual, enquanto personagens importantes da vida cultural do País se movimentam, como quadros em preto e branco que contam um pouco da história cultural. Já na terceira parte do livro, há o detalhamento de reflexões sobre obras literárias e ensaísticas escolhidas e que oferecem uma discussão variada sobre temas que inquietam a recepção. Problematizam a condição do intelectual e as tensões que percorrem seu papel no mundo contemporâneo”. 

No livro, há uma problemática revelada por Theotonio de Paiva, qual seria ela?

Ele chama a atenção para o pioneirismo do livro “Nelson Rodrigues: uma realidade em agonia”, escrito por Ronaldo Lima Lins, focado em entender a crise que se disseminou pela sociedade brasileira e como ela se manifesta no universo rodrigueano. Segundo ele, o livro de Ronaldo Lima Lins insere uma angustiante pergunta: Até que ponto o homem sobrevive às circunstâncias apenas como um espectro de si mesmo? Ou, dito de outro modo: Qual o limite do homem?  

Ainda sobre a obra baseada nos textos de Ronaldo Lima Lins, o que ela representaria?

O leitor pode vislumbrar o debate sobre a produção romanesca de Ronaldo Lima Lins avaliando sua importância na produção literária contemporânea. Além disso, estudos sobre a densa politização do problema estético, procurando entender as graves transformações do breve século XX e seu ensejo com as vanguardas. Os textos que integram “Ronaldo Lima Lins: Criação e Pensamento” são marcadamente plurais, com análises variadas, numa visada interdisciplinar. Traz sobretudo um desafio duplo: a dos pesquisadores e professores que enfrentaram a mobilidade das reflexões do autor e o que se oferece ao leitor. Acompanhar um pouco da filosofia, com seus sonhos, frustrados, de abarcar a integralidade do conhecimento; do olhar para a sociedade contemporânea, que desvenda seu aspecto estrutural: “a necessidade de não pensar”, como diria Ronaldo, num cenário feito de velocidade, excesso, consumo e desperdício.