O som da comida

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Que a comida pode ter som, isso a gente já sabe. Caso reste alguma dúvida, ela se resolve com um biscoito Globo. A crocância é a campeã dos decibéis na boca, mas a vida na cozinha e a vida na mesa têm sua trilha sonora. A prática no preparo dos alimentos cria percepções sonoras especiais, conheci cozinheiros capazes de identificar o ponto de uma carne pelo chiar da frigideira! À mesa, o momento de desfrutar uma refeição é delicado, não que o silêncio deva sempre prevalecer, ele tem seu valor, mas a sensibilidade na escolha da música que vai acompanhar pode ser catastrófica para digestão ou embalar o garfo em força conceitual.

O som da concertina (acordeom), no Cantinho das Concertinas do Mercado Cadeg, de alguma maneira afeta minhas papilas gustativas e o bolinho de bacalhau fica ainda mais gostoso. Em modo italiano, peço licença aos irmãos Bruno e Carmine e humildemente acordei disposto a sovar e esticar massa no rolo e fazer um raviolone recheado com pato. A música começa com a Mattinata, composta por Ruggero Leoncavallo em homenagem a Enrico Caruso, o primeiro a gravar em 1904 com o compositor ao piano; a interpretação que ouço é de seu herdeiro, Luciano Pavarotti.

A receita para a massa pouco varia, umas misturam farinha de trigo com farinha de semolina, outras usam só o trigo; na verdade, a massa é daquelas preparações que mais enaltecem a mão do homem. Com folhas e vegetais espetaculares, um grande azeite fresco e um vinagre de excelência, tem-se uma salada de alto nível, o ingrediente é quem manda. No preparo da massa para a pasta fresca, as mãos assumem valor de ingrediente, não adianta seguir receita, tem que repetir e repetir, até que num belo dia o resultado brilha.

Raviolone de pato

Ingredientes:
o 250 gramas de farinha de trigo + 3 ovos caipiras

Preparo:
Coloque a farinha numa tigela grande, faça uma cova no meio onde devem ser colocados os ovos. Misture com um garfo trazendo a farinha da borda para o centro incorporando os ovos. Depois que os ovos estiverem bem integrados à farinha, retire da tigela e passe para uma superfície lisa, polvilhada com farinha, mármore é ideal. Mantenha um pouco de farinha à mão, sove a massa por uns 10 minutos, juntando aos poucos mais farinha, só para soltar das mãos, até que a massa fique elástica.

Reparta a massa em dois, enrole em filme e deixe descansar por 30min. Como poucos têm em casa uma máquina italiana de esticar massa, vamos de rolo. Polvilhe o mármore com farinha e estique a massa até que esteja transparente, corte dois quadrados de 15/20 cm. As opções para recheio dependem de você, o meu foi com filezinho de pato da Germânia, vendido em embalagens de 500g por R$ 10/15. Temperei com sal, pimenta, tomilho, salteei com azeite, flambei com cachaça envelhecida e depois triturei no processador. Coloquei o pato e no meio uma gema de ovo. Passe clara em volta e junte os dos quadrados de massa. Cozinhe em água fervente por 5 minutos. O molho pode ser de tomate, mas o meu foi de creme de leite e salsa tartufata feito na frigideira suja de pato. Para beber, um pinot noir. Na vitrola: “o pato... vinha cantando alegremente... quém, quém...”.