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Novo livro de Maria Tereza Maldonado fala sobre a construção da felicidade e do bem-estar

Foto: Divulgação

A tão almejada felicidade pode estar nas “pequenas coisas” e o importante é saber valorizá-las. Parece apenas mais uma frase de autoajuda, mas a psicóloga Maria Tereza Maldonado se aprofundou nessa afirmação através da busca de informações acerca do tema, em várias regiões do Brasil, com indivíduos de diferentes idades, além de analisar os resultados de pesquisas e conceitos teóricos de estudiosos de muitos países sobre a construção da felicidade e do bem-estar, e o resultado é seu novo livro, “Construindo a felicidade – a ciência de ser feliz aplicada no dia a dia”.

Como se deu sua pesquisa sobre a felicidade, com quem você falou?

Como trabalho como palestrante e gosto de apreciar a natureza, viajo com frequência. Então, no decorrer de dois anos, entrevistei 190 pessoas, entre 12 e 96 anos, em cidades entre 1.500 e milhões de habitantes, em todas as regiões do Brasil. Conversei com pessoas que trabalham em diversas áreas. Ao mesmo tempo, pesquisei sobre felicidade em tradições milenares, psicologia positiva, antropologia, neurociência, filosofia, economia. Escrevi o livro entremeando depoimentos dos entrevistados com resultados de pesquisas científicas sobre a felicidade. 

Quais os pontos em comum você encontrou a respeito do que faz cada um feliz? 

Perceber que os depoimentos das pessoas que vivem uma vida simples, nas camadas populares em cidades do interior, foram os que mais se casaram com os resultados das pesquisas que apontam que o acúmulo de bens materiais não garante felicidade. Constatar que a maioria das pessoas consegue construir a felicidade no dia a dia, apesar de passarem por muitas dificuldades, e enfrentarem problemas consideráveis nutrindo a fé e a esperança que até dá sentido ao sofrimento. Ver que a maioria dos entrevistados constrói a felicidade valorizando os relacionamentos com a família e os amigos. Muitos, especialmente adolescentes e jovens adultos, sentem-se felizes fazendo o que querem sem se preocupar com a opinião dos outros.  

Por outro lado, que diferenças considera mais gritantes? O que mais te surpreendeu?

Conhecer pessoas que mudaram radicalmente de rumo quando encontraram um propósito mais significativo para suas vidas como, por exemplo, uma engenheira sem filhos que se mudou para uma cidade pequena para ser educadora e dirigir uma ONG com mais de cem crianças em situação de vulnerabilidade social, o que deu um significado mais profundo para sua vida e a tornou mais feliz. Encontrar um funcionário da prefeitura de uma cidade do interior pintando o meio-fio da praça da igreja e que me disse ter encontrado a felicidade quando começou a ler poesia, se inspirar e passar a escrever poemas. Conversar com um vendedor de bolinhos de bacalhau em uma praia que, após se curar de um câncer, largou um trabalho estressante e bem-remunerado como corretor de imóveis para descobrir que pode viver com mais prazer e menos dinheiro. Foram depoimentos incomuns que me chamaram muito a atenção. 

“Construindo a felicidade – a ciência de ser feliz aplicada no dia a dia” relata a importância de valorizar as pequenas coisas

Foto: Divulgação

Você fala sobre a felicidade nas pequenas coisas, mas o que isso quer dizer exatamente?

É procurar usufruir os bons momentos do dia a dia de modo mais pleno. É a maneira mais eficaz de contrabalançar a tendência natural do cérebro de registrar prioritariamente as experiências negativas. 
Colocar o foco de atenção nas experiências positivas faz com que elas permaneçam na memória e sejam efetivamente registradas dentro de nós. O neurocientista Rick Hanson diz que o nosso cérebro funciona como “Velcro” para as experiências negativas e como “Teflon” para as positivas. Isso significa que, se não prestarmos muita atenção às experiências positivas, elas “escorregam” para fora da memória com mais facilidade. Ficamos felizes por um breve momento, mas nem sempre esses acontecimentos ficam efetivamente gravados em nosso cérebro. E, para melhor saborear os bons momentos, convém nutrir curiosidade e encantamento pela vida.  

Se a felicidade é relativa como as diferenças apontadas mostram, como encontrar a própria felicidade?
 
Em primeiro lugar, vale esclarecer que não “encontramos” a felicidade: nós a construímos. É um trabalho pessoal com relação a nossas ações, atitudes, escolhas e qualidade de pensamento. Felicidade não é ausência de problemas. O estado consistente de felicidade serena pode ser mantido mesmo quando enfrentamos perdas e dificuldades. É possível treinar a mente para cultivar estados positivos que conduzem à felicidade (amor, compaixão, paciência, generosidade). Expressar gratidão, admiração e carinho contribui para incrementar a felicidade, assim como ações de gentileza, pensamento otimista, cuidar bem dos relacionamentos e cultivar a espiritualidade. Cultivar bons relacionamentos nos torna mais felizes e mais saudáveis. 

O Brasil foi apontado recentemente como o país com mais doenças da ansiedade. A que você atribui tanto sofrimento?

Os estudos sobre o bem-estar coletivo que classificam os países como mais ou menos felizes enfatizam a necessidade de um compromisso coletivo para promover o bem comum, integrando metas econômicas, sociais e ambientais e não apenas a meta de crescimento econômico. Portanto, construir o bem-estar coletivo depende do tripé prosperidade econômica com consumo consciente, inclusão social e sustentabilidade ambiental, além de combater a desigualdade de distribuição de renda. O Brasil passa por um período de grande instabilidade e incerteza no cenário político e econômico, com alto índice de desemprego e problemas graves de segurança pública. Isso contribui para o aumento do número de pessoas que sofrem de ansiedade e depressão. 

O título do livro, “construindo a felicidade”, sugere uma atitude proativa nesse processo. Por onde começar?  

É comum ouvir comentários do tipo “ela tem tudo para ser feliz e vive insatisfeita” ou, ao contrário, “não sei como ela consegue manter o bom humor com todos os problemas que enfrenta”. Não são as condições externas da vida que determinam o grau de felicidade e, sim, o que fazemos com o que encontramos pela frente. Por exemplo, quando olhamos os problemas como oportunidades de desenvolver novos recursos, em vez de nos desesperar-mos com eles e achar que não há saída. 

Qual o maior erro de quem não consegue se sentir feliz?

É cultivar os “venenos mentais” que perpetuam o sofrimento. Quem participa das “redes de ódio” que se tornaram tão populares nas redes sociais pode até sentir prazer, mas está se intoxicando. Quem nutre mágoas eternas e não consegue perceber o perdão como instrumento de libertação se condena ao mal-estar duradouro. Quem se vicia em reclamar de tudo e de todos e ser “contra tudo o que está aí” não consegue perceber e nem saborear os bons momentos que a vida oferece. Quem pensa que “a grama do vizinho é sempre mais verde” acaba cultivando inveja e se depreciando. Quem acha que precisa conquistar cada vez mais sucesso acaba nutrindo a ganância e menosprezando o valor dos relacionamentos de afeto verdadeiro.