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Seu vigésimo primeiro álbum, “Novas Famílias”, que reúne em oito faixas samba, funk, balada, pop, tecnobrega e batidas eletrônicas

Foto: Divulgação/Rogério Cavalcanti

Olhar pra trás, para a cantora Marina Lima, é perda de tempo. Aos 62 anos, a carioca radicada em São Paulo se sente mais brasileira do que nunca. Prova disso é o seu vigésimo primeiro álbum recém-lançado, “Novas Famílias”, que reúne em oito faixas samba, funk, balada, pop, tecnobrega e batidas eletrônicas. O trabalho traz, ainda, uma artista sem tempo para a caretice, a favor da liberdade e confortável na própria pele. 

O título do novo trabalho, “Novas Famílias”, e o fato desse novo álbum ter uma regravação do hit “Pra Começar”, sucesso dos anos 1980, dão a impressão de que você quer falar sobre novas possibilidades de afeto. Você está mesmo nesse momento?

Você percebeu bem. Realmente tem a ver com as novas possibilidades de afeto. Fora também o fato de eu ter me mudado para São Paulo e ficar mais próxima de outras pessoas. Eu acho que houve uma mudança grande no mundo, em que há uma inclusão maior de outras pessoas que não tinham muita legitimidade. Como a comunidade LGBT, o movimento das mulheres, dos negros, dos trans. Novas famílias foram criadas agora que eles são vistos como cidadãos também. Por exemplo: hoje em dia, você pode ter uma família nova sendo gay, porque você faz união estável e pode ter herança, dividir plano de saúde, adotar criança. Tudo isso transforma relações que pareciam eternos namoros em uma relação que tem lugar na sociedade. Mas tem um outro lado também de outras famílias forasteiras. O Brasil não está na mão de quem a gente quer. Então, a gente tem que formar novas tribos, novas famílias e correr atrás do que é nosso. “Pra Começar” eu regravei porque não tinha uma gravação de estúdio, era só ao vivo, e é uma música muito atual até hoje. Por isso é a faixa bônus do disco.

Você retoma a parceria com seu irmão, Antonio Cícero (agora imortal da Academia Brasileira de Letras), depois de um tempo sem escrever com ele. O que te fez retomar essa relação? Você é uma pessoa ligada à família?

Na realidade, nunca parei de compor com o Cícero. O que acontece é que, em alguns momentos, ele procurou alçar outros voos e eu também. Além disso, vim morar em São Paulo, onde estou há quase oito anos, então essa distância dificulta um pouco. Pra esse disco, a gente meio que reservou uma semana pra nós dois. Vim pro Rio, passei uma semana com ele compondo, trocando opiniões, informações, botando nossa vida em dia, e a gente pode conviver mais um com outro e fazer duas músicas pra esse disco. Mas o Cícero é meu irmão de pai e mãe, me viu nascer, então não existe essa coisa de retomar nada, porque a gente é muito ligado.

No primeiro single de trabalho, “Só Os Coxinhas”, você lança mão do funk em uma letra debochada, que soa como uma crítica ao conservadorismo e a algumas ideias. Como você analisa o panorama social e político do Brasil?

Coxinha, pra mim, são as pessoas caretas, chatas de galocha, e esse tipo de gente existe em qualquer partido, qualquer classe social. Gente chata e careta tem em qualquer lugar. Mas, realmente, tem uma gente careta que confunde um pouco essa fronteira entre pessoal e social. O Brasil é um estado laico, então não dá para a religião tomar conta da educação e querer impor paradigmas morais na sociedade. O primeiro coxinha que realmente me veio à cabeça e me inspirou pra música foi o Sérgio Cabral naquele vídeo em Paris, com guardanapo na cabeça, comemorando o roubo bem-sucedido. Esse é o exemplo de até que ponto um coxinha maluco pode chegar por dinheiro. O que também não quer dizer que todos os coxinhas roubem. Nem todo o mundo rouba. Mas esse tipo de gente que só pensa em dinheiro e só valoriza esse tipo de coisa pra mim é muito chata. A música é uma crítica a esse tipo de gente.

Seu novo trabalho traz do funk e tecnobrega (e até samba) ao pop eletrônico, que tem sido um marca sua nos últimos trabalhos. O que te fez olhar para esses ritmos?

Gosto muito do nosso momento atual, não sou saudosista, não olho pra trás. E gosto de música popular. Tem várias coisas acontecendo musicalmente no Brasil que mexem comigo. Por exemplo, a minha banda, metade dela é de Belém do Pará, onde se criou o tecnobrega. Então seria impossível, até como forma de homenagear o Pará, não incluir um tecnobrega no álbum. O funk, que é carioca, eu já vinha fazendo há um tempo. Eu gosto de ritmo, gosto de dançar. Um funk tipicamente atual é “Só os Coxinhas”, mas, por exemplo, “Juntas” (outra música do álbum) é um funk miami bass. Samba eu sempre gostei, já compus alguns. Esse samba “Climática”, pra mim, remete a um trabalho de Elizete Cardoso com Jacob do bandolim. O álbum tem um pouco de tudo: tem rock, música eletrônica, engloba tudo o que me atrai no Brasil, tudo o que gosto e com o que eu quis me misturar. Quis realmente misturar ritmos, por isso tem tanta coisa diferente nesse novo trabalho. Até o Mercosul eu cito (risos).

Você é uma mulher que parece não envelhecer. É sexy, dona de si e muito fiel aos termos que você mesma delimitou para sua vida. Como você lida com o envelhecimento: ele é mais um peso ou uma janela de oportunidades?

Não cheguei ainda num ponto de sentir uma limitação física, então, pra mim, envelhecimento não é um peso. Ele é mais uma janela de oportunidade mesmo, como você colocou. Eu não voltaria no tempo, acho que vivi bem minhas idades, sabe? Vivi bem a adolescência, os 20, os 30, os 40. Deus me livre voltar atrás no tempo! Pra mim, cada década que começa é uma nova coisa que eu vou descobrir e, ao mesmo tempo, você fazer 40, 50, 60 anos te deixa uma mulher muito inteira e com direitos conquistados pra você ser aquilo que você quer ser. É muito bom. Te liberta de ficar dando satisfação e ter que justificar o que você faz. Então, eu tô gostando de envelhecer. Sempre gostei de conhecer gente mais velha e sempre quis ser mais velha pra ser independente.

Você sempre foi muito ligada em atividades físicas. Ainda é? Como é hoje a sua relação com seu corpo?

Sempre fui muito boa em esporte. Quando fui mais nova, joguei vôlei. Só parei por causa do violão, porque podia machucar o braço. Sempre gostei de atividades ligadas ao mar. Já fiz surfe, já fiz morey-boogie, adoro o mar. E sempre malhei. Sou uma formiguinha. Eu não descobri que estava envelhecendo e corri atrás do prejuízo. Não lido assim. Lido com as coisas de antemão, sabe? Eu percebo o que pode acontecer e vou cuidando antes que aconteça. Sempre malhei, me alimento bem, há muitos anos sou assim. Aprendi muita coisa com a minha mãe também, que era uma mulher muito vaidosa e sabia se cuidar. Nunca engordou com a idade. Ela foi uma excelente professora. Além disso, sou virginiana com ascendente em virgem, então imagina só a encrenca!