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Uma amizade que começou na década de 60 e que ultrapassou barreiras da distância. Assim é a relação entre Maria do Carmo Travassos, de 69 anos, e Delma da Silveira, de 71

Foto: Lucas Benevides

No intervalo entre as aulas, duas amigas brincam de roda. Elas escrevem cartinhas de amizade endereçadas para sua “melhor amiga”. No campo, um grupo de meninos joga futebol gritando em euforia. Na hora de escolher os times, os amigos brigam para ficar juntos. A amizade, tão presente durante a infância, muitas vezes perde espaço frente ao trabalho, à família e às responsabilidades da vida adulta. Mas não precisa ser assim. Cláudia e Carla, Luiz e Paulo, Carlos, Jayme e Cezar, e Delma e Maria do Carmo são a prova viva de que uma amizade pode durar a vida inteira. 

Espalhadas pela mesa, dezenas de fotografias contam a história de duas vidas compartilhadas: Cláudia Perpétuo e Carla Portilho são amigas há 24 anos. Os retratos começam na juventude, com pochetes, ombreiras e cortes de cabelo irreconhecíveis, e chegam até a maturidade, com filhos e maridos. Cláudia, fotógrafa de 45 anos, e Carla, professora de 49, se conheceram quando trabalhavam no mesmo curso de inglês. A data é lembrada até hoje. 

“Nós saímos pela primeira vez no dia 25 de março de 1992. Nós duas estávamos na sala dos professores enrolando, porque não queríamos ir para a faculdade. Então, uma de nós propôs uma saída para tomar um chope e, depois, nunca nos desgrudamos”, lembra Carla.

Como o início da amizade tem data marcada, Cláudia e Carla aproveitam para comemorar os anos de companheirismo.
“Quando nós fizemos 15 anos de amizade, organizamos uma festa. Ano que vem, nós vamos completar 25 anos de amizade, será as nossas bodas”, brinca Cláudia. 
Esse ano também foi um marco para a amizade das duas. Em 2016, fez 20 anos da primeira viagem internacional que Cláudia e Carla fizeram juntas. Em 1996, foram para Montevidéu, no Uruguai, e para Buenos Aires, na Argentina. Para celebrar, esse ano, acabaram em Nova Iorque. Viajar, aliás, é uma das atividades que a dupla mais gosta de fazer junta.

“Nós já fomos para Curitiba, Florianópolis e ficamos um mês inteiro nos Estados Unidos juntas”, lista Carla. 

Quando não estão viajando, as amigas arranjam um jeito de passar o tempo juntas.
“Nós já fizemos curso de espanhol, de tradução, de fotografia e até aula de mestrado juntas”, lembra Carla. “Hoje, nós nos encontramos de segunda a sexta na academia. E, sempre que dá, nos vemos nos finais de semana”, completa. 

A psicóloga Aline Vilhena explica que a capacidade de criar laços duradouros, como os de Carla e Cláudia, é uma característica marcante do ser humano.
“Somos seres de sentimento, pensamento e linguagem. Temos a capacidade de expressar tudo aquilo que pensamos e sentimos, ou quase tudo. Por termos a capacidade de verbalizar, que construímos, destruímos ou mantemos laços”, aponta.

Espalhadas pela mesa, dezenas de fotografias contam a história de duas vidas compartilhadas: Cláudia Perpétuo e Carla Portilho são amigas há 24 anos

Foto: Lucas Benevides

Outra dupla inseparável é Paulo Fernando Nobre, engenheiro de telecomunicações de 61 anos, e Luís Carlos Fróes, engenheiro civil de 62. Os dois se conheceram durante o ensino fundamental e continuam amigos até hoje. Durante todos esses anos, a amizade evoluiu na medida em que os dois foram crescendo.
“Quando éramos menores, nós estudávamos juntos. Eu ia na casa dele e nós ajudávamos um ao outro. Depois, quando ficamos um pouco mais velhos, íamos em festas juntos”, lembra Paulo. “Nós tocávamos violão, era sucesso com as meninas”, diverte-se. 

A amizade passou por uma prova quando Paulo e Luiz entraram em universidades diferentes – mas isso não foi suficiente para abalar o relacionamento. 
“Nessa época, nós fizemos novos grupos de amizade, mas nunca nos afastamos. A gente se falava por telefone, se encontrava nos finais de semana, nos feriados”, recorda o engenheiro de telecomunicações.

Hoje, a amizade inclui a família de ambos.
“Nós saímos com as nossas mulheres e os nossos filhos também são amigos entre si. Isso é muito legal”, conta Paulo. 

No hall das amizades duradouras, Carlos Tolomei, Jayme Luna e Cezar Marques provam que é possível ter mais de um melhor amigo. O trio se conheceu durante o ensino fundamental, mas ficou amigo mesmo na adolescência. Esse ano todos completaram 50 anos de idade e optaram por fazer uma festa conjunta. No convite, uma brincadeira: os amigos eram chamados para uma festa de 150 anos.

“A comemoração foi espetacular. Ficamos por três dias em um resort com 600 convidados. Foi um brinde à amizade não somente de nós três. Todos foram: minha mãe, meus filhos, até meu advogado”, lembra Cezar, jornalista.

Para Carlos, advogado e professor, um dos grandes motivos da amizade dar certo é o envolvimento da família.
“A família toda interage entre si, inclusive nossos filhos. Mas o melhor de tudo é a sinergia entre nossas esposas. Com isso, a amizade se construiu, também, entre elas. Sem isso, seria impossível nosso convívio tão bom e intenso”, afirma Carlos. 

Hoje os três amigos se encontram toda sexta-feira para tomar uma taça de vinho, jogam tênis aos sábados e estão juntos sempre que possível. Após 41 anos de amizade, Cezar acredita que o relacionamento mudou muito.

“Como em todo relacionamento, a convivência amadurece. Somos mais solidários uns aos outros, temos um diálogo mais consistente e fraterno. O tempo nos ensina”, acredita o jornalista, que se lembra, ainda, de um momento marcante de sua amizade com Jayme. “Há tempos atrás, eu estava sozinho e o Jayme me ligou perguntando se eu estava bem. Eu disse que sim, mas ele insistiu. Ligou para minha mulher e perguntou se eu estava bem, ela também disse que sim. Um tempo depois, eu comecei a me sentir mal, tive uma arritmia cardíaca e fui parar no hospital. O Jayme foi o primeiro a aparecer para me ajudar”, se emociona.

A amizade de Cláudia e Carla superou as ombreiras e permanece firme e forte até hoje

Foto: Lucas Benevides

Segundo especialistas, a amizade pode até fazer bem à saúde – como explica a professora de Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Ana Cláudia Peixoto.

“Todo relacionamento prazeroso – e a amizade se enquadra nisso – produz hormônios de bem-estar, de alegria, que facilitam a aprendizagem, nos tornam mais ativos para o trabalho, para as atividades de rotina e até para estabelecer próximos vínculos”, afirma a especialista.

Maria do Carmo Travassos, de 69 anos, e Delma da Silveira, de 71, carregam nas costas uma amizade de quase 60 anos. O companheirismo começou quando as duas faziam curso normal para se formar professoras, em meados de 1960.

“Nós ficamos tão próximas que a mãe da Carminha foi madrinha do meu casamento junto com o irmão dela. Um tempo depois, fui madrinha no casamento dela também”, lembra Delma, professora aposentada.

Durante esses anos, a amizade de Maria do Carmo e Delma passou por algumas “provações”.
“Morei por muitos anos fora do Brasil. Mas, mesmo nos anos que nós estivemos separadas pela distância, nosso relacionamento continuou o mesmo. Ser amigo vai muito além de estar junto todos os dias”, acredita Maria do Carmo. 

Hoje, as amigas se veem com grande frequência. Fazem aula de dança juntas e, como estão aposentadas e moram perto, estão sempre na casa uma da outra.
“Nós também gostamos muito de viajar. Já fomos para o Marrocos, para a Holanda, França, Bélgica, Espanha”, enumera Maria do Carmo.
No final desse mês mesmo as amigas já têm outra viagem marcada: vão para Inhotim, em Minas Gerais. Em meio a fotografias antigas e memórias reviradas, Maria do Carmo e Delma se recordam de um sonho antigo.
“Desde jovens, nós temos o sonho de comprar um terreno e construir dois bangalôs, um para cada”, brinca Maria do Carmo.

Ao longo dos anos, as amigas descobriram alguns truques para manter a amizade.
“Quando nós éramos adolescentes, nós brigávamos mais. Hoje, nós já descobrimos que, se não discutirmos política, tudo funciona melhor”, conta Maria. 
O companheirismo se fortaleceu até nos momentos mais difíceis.

“Quando meu pai faleceu, foi a Delma que veio dormir comigo”, lembra Maria. “Eu considerava ele como um pai também, foi muito triste”, completa Delma.
Emocionada, Maria do Carmo conclui: “Sem amigo é difícil viver” – pensamento que pode, facilmente, se referir também a Cláudia e Carla, Paulo, Luiz eCarlos, e Jayme e Cezar.