Saudosismo do bem

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Relembrar alguns momentos bons não deixa o aposentado Sebastião de Andrade triste. Pelo contrário, a emoção o faz ter a certeza de que viveu com intensidade aquela época

Foto: Lucas Benevides

É normal, e comum, sentir saudade de algo que foi prazeroso e que acarretou bons momentos vividos. Esse sentimento vem de uma memória seletiva e agradável que acessa as experiências inesquecíveis. Basta uma rápida conversa para que esses momentos voltem à tona. Nesse papo, muitos lembram com carinho de momentos vividos, da simplicidade e tranquilidade de um tempo passado. 

Sebastião de Andrade, de 70 anos, aposentado, dedicou 22 anos e 7 meses de sua vida à empresa Vale do Rio Doce. Começou sua carreira profissional no local aos 21, exercendo a função de office boy, que lhe abriu muitas portas na empresa. 

“Foi uma época muito boa e o resultado é ótimo, também, para a minha saúde, pois fica o lado bom da nostalgia e encaro isso muito bem. Temos que aprender a conviver com o fato de que o passado ficou para trás. Eu realmente achei que não conseguiria conviver bem, mas as lembranças são satisfatórias e me enchem de orgulho”, admite. 

Sebastião relembra sua trajetória na empresa, enquanto gesticula situações vividas e parece dar vida às ações do passado, envolvendo quem ouve suas lembranças. Ele participou e opinou, inclusive, no jornal mensal da empresa, sugerindo que os exemplares fossem tarjados com os nomes dos funcionários e tivesse um espaço especial para que desenhos dos filhos deles fossem publicados, por exemplo. Todas as ideias foram em prol da empresa. Sebastião “vestia a camisa” e recebeu até um prêmio por melhor serviço prestado, fator que pode ser considerado primordial para tanto saudosismo. 

“Não me dá tristeza alguma relembrar do meu passado. Sinto muita emoção em ter esse momento na minha história. Faço questão de guardar todas as fotos, jornais, porque é uma forma de sentir na pele, por mais uma vez, o momento retratado. E gosto muito de falar dessa época, afinal, foi um momento muito marcante em minha vida”, garante.

Sebastião conta que se reúne uma vez por ano com os colegas de trabalho do passado para uma confraternização. O grupo é chamado de “Velha Guarda”. 
“A história é muito longa, rende horas de conversa e lembranças. Temos que saber controlar essa saudade”, diz. 

Já Ivone Cirino, 65 anos, sente falta de um tempo que não volta mais. Muitos idosos costumam ter esse sentimento de nostalgia e passam suas experiências vividas no passado para os jovens. 

“O respeito entre as pessoas, a educação que tinham, o cuidado com o próximo, principalmente os mais velhos, são situações que eu sinto falta. Era um tempo em que os pais eram respeitados. Era inadmissível faltar o respeito com os pais. Além da tranquilidade que tínhamos em andar pela rua a hora que fosse, era uma característica marcante dessa minha época”, relembra Ivone, que completa dizendo que a calmaria de antes não se vê mais.

“Hoje, temos que andar observando tudo, com um medo que nos limita a fazer muitas coisas que antes eram normais e corriqueiras. Íamos aos bailes, dançávamos, nos divertíamos e, quando acabava, íamos para casa, com sossego. Não tínhamos aquele pensamento de roubo, de que em qualquer momento poderíamos até sofrer algo mais grave. Hoje em dia, percebo que os jovens não têm mais essa tranquilidade que tínhamos no meu tempo”, conta. 

Ações que são consideradas comuns para os jovens podem ter um outro significado para os mais velhos.

“A tecnologia ajuda, mas não podemos tratar isso como o mais importante. Não gosto de falar tanto no celular, gosto da conversa que é olho no olho. Na verdade, na minha época, o telefone já era uma realidade distante e conseguíamos viver bem com isso”, pondera. 

É preciso ter moderação com o sentimento da saudade para que não prejudique a seguir a vida. 

“Tenho uma saudade boa. É uma nostalgia que me faz ter a vontade de contar isso para os meus sobrinhos ou qualquer jovem. Eu percebo que tenho que ter cuidado para não me prender ao passado e achar que o lado bom da vida ficou distante. Temos que ter uma visão otimista”, afirma Ivone.