Sem parar

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Edvando Laurentino da Silva já está aposentado, mas não larga o volante. Ele, que diz já ter dirigido todo tipo de veículo, se sente feliz na direção e com o dinheiro extra que recebe. Dirigir, para ele, é uma forma de desestressar

Foto: Douglas Macedo

Por que ficar parado quando ainda se tem muito a oferecer após uma vida  repleta de experiências acumuladas ao longo dos anos? Chegar à terceira idade não é o fim da vida, é apenas uma nova etapa que pode ser vivida com trabalho e dedicação a qualquer atividade, dependendo do desejo e necessidade de cada um. E em tempos de crise, trabalhar e ajudar a família é, além de uma distração, um motivo de orgulho. Como diz Doralice Santos, 64 anos, cuidadora de idosos.

“Sempre trabalhei. Juntei dinheiro, comprei minhas coisas e vivi. Hoje perdi minha mãe e não tive filhos. E embora tenha muitos irmãos, não acho conveniente ficar parada, pois quando ficamos sem fazer nada, a mente não trabalha a nosso favor. Trabalhando a gente se distrai, o tempo passa e a gente não vê. Vivemos melhor, e quando fazemos o que gostamos, e o que temos experiência adquirida ao longo da vida, se torna algo prazeroso. Trabalho porque gosto, odeio ficar parada, me sinto mal, fico até doente.”

Segundo o Ministério do Trabalho, os brasileiros têm optado por se aposentarem cada vez mais tarde. O número de pessoas entre 50 e 64 anos no mercado formal cresceu quase 30%, e aqueles com mais de 65 anos avançaram 58,8% entre 2010 e 2015, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais). O que significa que em 2010, 361,4 mil trabalhadores ocupavam vagas formais de trabalho, cinco anos depois, esse grupo cresceu para 574,1 mil. O dados da Rais mostram, ainda, que o setor de serviços tem mais receptividade aos trabalhadores com mais experiência. 

De acordo com a profissional de Recursos Humanos Arianne Pimenta de Andrade, o mercado de trabalho para pessoas acima de 50 anos ainda é resistente. 

“Atualmente, conseguir uma vaga de emprego não é uma tarefa simples, contudo não é impossível. O potencial intelectual e a produtividade que a bagagem (experiência) que essas pessoas trazem podem destacá-las e permitir que conquistem um espaço no mercado de trabalho.”

Para a profissional, o público com mais experiência possui algumas facilidades adquiridas com os anos. 

“A sabedoria em administrar conflitos, treinamento para os mais jovens, maior comprometimento, motivação elevada para o trabalho, aproveitamento e disseminação de seus conhecimentos, aceitação de salários menores (em alguns casos), horários flexíveis (em outros casos), responsabilidade, enfim, são inúmeros diferenciais. A questão é que os empregadores devem enxergar essa realidade não somente na retenção dessas pessoas, mas também no recrutamento de suas vagas”, comenta Arianne Pimenta.

Mas ainda há algumas dificuldades devido à competição no mercado de trabalho.

“Se por um lado há vantagens, por outro há entraves. A maior resistência dos empregadores, por vezes, é acreditar que a contratação do “mais jovem” é mais barata e mais produtiva, o que nem sempre é assim. Outra dificuldade está na era virtual, atualmente, o uso da internet é essencial, o que anos atrás não tinha tanta importância. Por vezes, as pessoas que não possuem contas em redes sociais, por exemplo, não sobressaem. Existe  ainda a crença de que os mais experientes não lidam bem com mudanças, visto que já possuem ‘vícios’ de trabalho e fazem da forma que sempre foram acostumados, o que também não se deve generalizar”, diz  a psicóloga.

Ariane destaca ainda a importância da qualificação do profissional, pois alguns segmentos priorizam a contratação dos mais jovens pela falta de atualização e não somente a idade.

“É importante se especializar para que tenham maiores chances de serem chamados para entrevistas. Os profissionais de RH e empresas, em geral, observam nessa faixa etária a carreira e trajetória profissional dos mesmos, o histórico nas empresas que passaram, motivo de demissões, capacidade de gerar resultados, ritmo de trabalho, expectativa sobre a aposentadoria. Portanto, fica a dica, querendo voltar ao mercado, se atualize e se qualifique”, completa.

É o que faz Edvando Laurentino da Silva, após 48 anos como motorista apaixonado de automóvel, ônibus, carro-forte e até caminhão.

“Fui motorista desde que tirei a carteira com 18 anos. Já dirigi de tudo e ensinei meu filho, que hoje também é um excelente motorista. Após tantos anos trabalhando, me aposentei, mas não consigo ficar parado, gosto de estar em atividade, e assim, hoje, dirijo por paixão meu carro e faço meus trabalhos, o importante é estar sempre em movimento”, contou Edvando.

Hoje, aos 66 anos, ele sempre está em busca de novos horizontes, seja lendo, estudando e até fazendo networking por onde passa.

“É bom se aposentar, mas ao mesmo tempo é ruim ficar parado, temos que estar em atividade para não ter estresse, inclusive com família, com filhos. Você trabalhando está normalmente vivendo melhor. Além de ter o salário de sua aposentadoria, você tem o seu dinheirinho para viver melhor em sociedade e até fazer uns agrados para sua família e você mesmo, após tantos anos de trabalho”, diz o motorista.

O psicólogo Bruno Vianna vê o trabalho na terceira idade como algo benéfico.

“O ser humano que para definitivamente acaba adoecendo. No Japão e na Suíça, o governo procura ocupações para os idosos. Estar ocupado é pensar em várias outras coisas importantes e fortalece o contato social, que muitas vezes se perde nesta fase da vida”, avalia Vianna.