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O encontro com Mr. Bakken

Foto: Arquivo pessoal

Aos 15 anos, a vida de Sheila Vasconcellos virou de cabeça para baixo: a descoberta da diabetes às vésperas de sua viagem para a Disney foi só o começo de uma longa história. Sobrevivente da doença há 30 anos, Sheila passou por restrições alimentares, exercícios forçados e muitos remédios, mas só se sentiu confiante quando colocou uma bomba de insulina, em 2015. Com a garantia de muitos anos por vir, ela se jogou de cabeça no trabalho voluntário e chamou a atenção de gente de muito longe. No ano passado, ela ganhou o prêmio Bakken, que homenageia pessoas que superaram doenças graves com o auxílio da tecnologia e dedicaram sua “vida extra” para ajudar os outros. Como prêmio, ela recebeu uma doação de U$20 mil para qualquer instituição de caridade de sua escolha e, agora, não consegue parar de fazer planos para o futuro

Sheila Vasconcellos e a conquista do prêmio Bakken

Foto: Arquivo pessoal

Você tem diabetes há 30 anos. O que aprendeu com a doença? 
A gente vai amadurecendo e vai vendo a verdadeira missão, porque estamos no mundo. Agora, eu tenho certeza que uma das minhas missões é para o bem do próximo, tanto com a Casa de Apoio a Crianças com Câncer, como para os demais diabéticos. Poder contar uma história de alguém que viveu tanto tempo com a doença e que não sofreu as complicações. Todo mundo quando conhece um diabético, fala assim: ‘Ah, meu tio era diabético, ele morreu cego’, ‘Minha vizinha é diabética e ela está sem os dois pés’. A gente ouve essas histórias pelo ônibus, na escola... Eu vivi 30 anos ouvindo histórias desse tipo. E eu quero mostrar que é possível ter uma vida de realização, sem complicação, e longa. Esse é o meu objetivo. Para que as mães de crianças diabéticas olhem para mim e pensem: “ela pode crescer, ela pode ter filhos, ela pode se formar, ela pode tudo”.

Por que você só colocou a bomba de insulina em 2015?
“Eu decidi colocar a bomba depois que eu tive dois episódios graves de hipoglicemia. Hipoglicemia é quando o açúcar cai rapidamente no sangue, e você pode perder a consciência. Ao longo da vida, eu senti sintomas da hipoglicemia, mas depois de tanto tempo, parece que o corpo não consegue mais emitir os sinais, e aí eu sofri um acidente. Pulei de dois metros e quebrei o tornozelo. Fiquei um período em casa, três meses sem andar. Isso aconteceu em 2009 e me fez procurar formas de melhorar o tratamento. Eu mudei o tipo de insulina e vivi mais cinco anos sem problemas, até que em 2013, bati com o carro. Sem perceber os sintomas, eu perdi a consciência dirigindo. Não feri ninguém, só teve perda total do automóvel. Foi aí que eu falei: “Agora preciso tomar conta disso, o que eu posso melhorar?”. E, no ano retrasado, eu comecei a pesquisar e coloquei a bomba em janeiro. 

Você ganhou o prêmio Bakken pelo seu trabalho na Casa de Apoio à Criança com Câncer. Que tipo de atividades você realiza nessa instituição? 
Eu ajudo a produzir eventos. Fazemos festa do Dia das Crianças, Natal, Páscoa, festa junina. Também coordeno os voluntários e vamos em busca de doações. Durante esse tempo, fui convidada para produzir também o “Dia da Beleza”, que é voltado para as mães das crianças atendidas pela casa. A gente consegue cabeleireiras, manicures, esteticistas, massagistas para dar um banho de beleza nas mães por um dia, porque muitas, pela situação financeira e pela falta de tempo, acabam não conseguindo olhar para si. Fortalecer as mães é uma forma enviesada, mas muito efetiva de ajudar as crianças. 

O que você sente ao ajudar essas crianças?
Eu pensava que eu nunca ia conseguir trabalhar com uma situação tão difícil, uma doença grave, fatal, e ainda em crianças. Eu sou mãe de dois filhos, uma menina de 17 e um menino de 11, e achava que seria muito difícil, que eu, emocionalmente, não ia suportar esse tipo de aproximação, e foi exatamente o contrário. A partir do momento que comecei a ir, e me coloquei à disposição da Casa, fui me fortalecendo. Eu consigo olhar para cada necessidade e pensar: o que posso fazer para ajudar?. Eu não sou médica, não sei a cura, não tenho um remédio milagroso. Além de orar, que é o que todos podem fazer, posso levar um sorriso, conseguir realizar um sonho, um desejo. Eu posso estar lá para apoiar os pais, muitos deles abandonam sua vidas para cuidarem das crianças integralmente. Com isso, fui ficando sempre mais forte, o que é bom para eu conseguir controlar a minha própria situação.

Como você soube do prêmio Bakken?
Eu conheço uma blogueira, também diabética, que mandou um e-mail falando sobre essa iniciativa. Eu fui já com esse pensamento de doação, quando eu entrei no site, vi as informações sobre o prêmio e percebi que todas as características, os requisitos eram exatamente o que eu estava sentindo naquele momento. 

Você imaginou que poderia ganhar?
É muito difícil, porque a tecnologia está disponível em outras partes do mundo com maior eficiência. O Brasil vive uma situação difícil em relação à saúde, e até por condições financeiras da população, não é todo mundo que têm acesso ao tratamento de ponta, como é o caso da bomba de insulina. Então, eu vi que eu teria pouca concorrência, infelizmente. Porque, não teria tantas pessoas usando a bomba no Brasil, como já acontece em outras partes do mundo. Na verdade eu acreditava muito na minha história, achava que não era por acaso que a notícia do prêmio apareceu para mim. Além da viagem para o Havaí, a gente ganha uma doação da Medtronic, de U$ 20 mil, para a instituição que eu quisesse, que certamente vai para a Casa de Apoio às Crianças com Câncer, no Irajá. A possibilidade de fazer uma doação dessa, realizar um tratamento diferenciado na unidade, além de conhecer o Havaí, é claro, e poder contar minha história para o mundo, foi maravilhosa. Eu posso dizer que eu não sabia, mas eu acreditava.

Durante a viagem ao Havaí, você teve a oportunidade de ouvir as histórias. Qual te emocionou mais?
Eu conheci três pacientes diabéticas, entre elas uma chinesa, de 39 anos, que usa a bomba há 15 anos. Ela nos contou que teve uma grande dificuldade a vida inteira porque na China há um grande preconceito com a aplicação da insulina em público. Então muitos jovens não tomavam o remédio. Ela tinha que ir para casa fazer a aplicação para voltar para escola. O trabalho dela é junto a esse público, de crianças e jovens, mostrando que é possível e dando alternativas, instruindo para a pessoa manter o controle mesmo com essa barreira cultural que ela sofreu. 

Quais são seus planos para o futuro?
Vou dedicar minha vida a fazer as coisas que eu acredito. Eu estou me posicionando como jornalista da saúde e diabetes, alimentação natural, coisas que ajudam no controle da doença. Estou indo agora para Madrid, para cobrir um evento mundial e ouvir a voz dos pacientes diabéticos da Espanha. Além disso, na Casa de Apoio, com os recursos que vão entrar com a doação, nós vamos organizar oficinas profissionalizantes para as mães das crianças conseguirem uma renda extra. A gente vai montar, ao longo do ano, oficinas de artesanato, de beleza e de culinária. Com isso, vamos conseguir ser um projeto autossustentável e que elas possam, mesmo acompanhando os filhos, ter uma forma de se manter.