Tempo de sucesso

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Diva do carimbó, Dona Onete começou a carreira artística depois dos 60 anos. Hoje, vive o sucesso na música

Foto: Divulgação/Estúdio Tereza & Aryanne

A experiência costuma ser subestimada. Vivemos em uma sociedade que cultua a juventude, mas, eis que, de repente, todos os holofotes apontam para aquele de quem se esperaria estar saindo de cena. O sucesso na terceira idade ainda é raro, mas, quando acontece, costuma ser avassalador.  

Nascida em Cachoeira do Ararari, na região do Marajó, no Pará, Dona Onete tinha fama de cantar para os botos desde menina. Foi professora de História durante 25 anos, secretária de Cultura do município de Igarapé-Miri e fundadora de grupos de dança e música regionais como o Canarana. Começou a carreira artística depois dos 60 anos, quando foi descoberta como cantora pelo grupo Coletivo Rádio Cipó. Em 2012, lançou seu primeiro disco. 

“Acho que tudo é no tempo certo. Quando achei que já tinha cumprido meu papel de colaboração para o mundo e ia apenas descansar, aconteceu isso. Cantar as minhas letras e vivências de toda uma história. É algo muito enriquecedor, nos prova que, até o último momento, estamos aprendendo”, ressalta.

Hoje, aos 78 anos, se apresentando pelos circuitos mais descolados do Brasil, Onete também já pode se considerar uma veterana da música. Já levou seu carisma aos Estados Unidos e à Europa, teve composições gravadas por nomes como Gaby Amarantos, atuou no filme “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, de Beto Brant, e esteve na trilha sonora de novelas.

“Fazer sucesso na maturidade é algo realmente indescritível. Tem criança que vem e fica agarrada em mim, jovem que vem dar selinho, idoso que me pede em casamento”, brinca e comemora a diva do carimbó. 

E Dona Onete não está sozinha em seu merecido sucesso na terceira idade. Aliás, não faltam bons exemplos de artistas nacionais e internacionais que tiveram seus trabalhos reconhecidos após os 60 anos. Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras, apesar de Cora Coralina escrever versos desde a adolescência, seu primeiro livro, "Poemas dos becos de Goiás e estórias mais”, só foi publicado em 1965, às vésperas de completar 75 anos. Ser esposa de Jorge Amado, por sua vez, também não intimidou Zélia Gattai, que, aos 63 anos, começou a escrever suas memórias. Seu livro de estreia, “Anarquistas, graças a Deus”, ao completar 20 anos da primeira edição, já contava mais de 200 mil exemplares vendidos no Brasil. Cantora de maior reconhecimento internacional de Cabo Verde, Cesária Évora só ganhou projeção no show business e recebeu um Grammy quando já tinha 63 anos. Considerado uma lenda do soul, Charles Bradley só teve seu primeiro álbum lançado – “No time for dreaming”, em 2011 – quando tinha 62. Em 2012, foi o protagonista do documentário “Soul of America”, exibido pela primeira vez no conceituado festival South by Southwest, em Austin, no Texas, nos Estados Unidos.

Mas a verdade é que idosos, em geral, têm menos estímulos externos para tentar ser bem-sucedidos, o que de fato pode afetar sua motivação. Alguns até se veem desmotivados, como se não fosse possível, o que, segundo a psicóloga Ariella Araújo, não é verdade.

“Já atendi várias pessoas que, após a aposentadoria, resolveram voltar a estudar, fazer uma nova faculdade, empreender, buscando sucesso em áreas diferentes. Porém, na idade avançada, o sucesso já não é tão valorizado porque essas pessoas estão menos preocupadas com a opinião dos outros e buscam mais a qualidade de vida. Pessoas acima dos 60 anos já tiveram muitas perdas e conquistas e, na maioria das vezes, querem curtir a vida”, explica Ariella. 

Independente de sucesso e reconhecimento, nesta fase há muitos casos de solidão e sensação de inutilidade que compromete a saúde dos idosos. Segundo Araújo, se eles não implementam mudanças na vida, provavelmente vão sentir tristeza e podem até desenvolver depressão.

“Não é nada fácil manter o ânimo quando ocorrem mudanças no corpo e percebemos que precisamos nos adaptar, mesmo sem querer. Mas é preciso enxergar outras possibilidades e lembrar que o poder das emoções é muito grande, inclusive na saúde física. Com sucesso ou não, descobrir novos hobbies e novos desafios, experimentar novas coisas é importante para se manter estimulado”, conclui a psicóloga.