Tudo não terás
Por Dom José Francisco
Se algo fica claro nas bem-aventuranças é que o Deus apresentado por Jesus é o Deus dos pobres e oprimidos, dos que choram e sofrem. Deus não é apático, pelo contrário: Ele sofre onde sofre o amor.
Já a apatia vem crescendo na sociedade moderna na mesma medida da sua descompensação, embotamento e incapacidade de perceber o sofrimento alheio. Somos cegos incapazes de perceber os contornos da luz.
Aos poucos, fomos evitando a relação e o contato, erguendo muros que nos separam das fragilidades alheias, para nos preocuparmos só com o que é "nosso", vivendo assepticamente em um mundo privado submetido à lei do "Do not disturb".
Toda organização da vida moderna contribuiu para encobrir a miséria e a solidão; não poucas vezes, sequer sentimos a solidão de quem vive ao nosso lado. A problemática humana só cabe em números e dados, e só é contemplada pela tela da TV, antes que alguém peça pra mudar de canal.
Historicamente, manejou-se a novidade cristã pelo dispositivo de uma acomodação apenas na certeza de uma salvação eterna. No dia a dia, a felicidade começa no site de vendas e termina na lata de lixo. O outro, nosso irmão, conta pouco, se é que conta.
Deus quer a nossa felicidade já nesta vida: para tanto, potencializa o nosso bem, nunca o nosso dano. Ele respeita suas próprias leis e nunca força a liberdade por Ele mesmo criada. Sua vontade não é arbitrária: Ele sempre quer o nosso bem.
Conhecer a Deus não é sinônimo de vida presa, mas de vida sadia e feliz. Mas, e as renúncias? Ora, até a felicidade tem limites e exigências. Não tem? A primeira lei da vida cabe em três palavras: "Tudo não terás". Esse não é um caminho asfaltado, pelo contrário, é uma trilha que sobe e desce montanhas. Mas quem há de negar que a vista do alto é sempre mais bela e o ar, lá de cima, mais puro? Pense nisso.
*Dom José Francisco é arcebispo de Niterói