Henry Borel: morte cercada por dúvidas

Perito legista diz que evidências apontam para um acidente doméstico seguido de óbito devido a manobras de ressuscitação

Por Redação

Perito legista diz que evidências apontam para um acidente doméstico seguido de óbito devido a manobras de ressuscitação

Passados um ano e nove meses da morte do menino Heny Borel, de quatro anos, na Barra da Tijuca, no Rio, as circunstâncias e causa do óbito da criança ainda não foram esclarecidas. Em novembro, tanto a mãe do menino, Monique Medeiros, que se encontra em liberdade com uso de tornozeleira eletrônica, quanto o padrasto do menino na época, o médico e então vereador no Rio Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho, que se encontra preso, foram pronunciados pelo Tribunal de Justiça. O dr. Sami Jundi, médico, professor de Criminalística, de Medicina Legal e Psicopatologia, que trabalhou no caso como assistente técnico, dá sua opinião sobre o que aconteceu na noite de 8 de março de 2021, quando o menino deu entrada na emergência do Hospital Barra D'Or, na Barra da Tijuca, levado pela mãe, Monique, e pelo padastro. Segundo relato do casal, a criança foi encontrada inconsciente no apartamento onde estavam, e levada para o hospital mais próximo, o Barra D'Or.

O doutor Sami conta que foi procurado pela família no ano passado, porque havia preocupação com o andamento da investigação. "Havia uma série de questões em aberto que estavam sendo tratadas de uma forma bastante simplista, não respondendo a perguntas que estavam sendo colocadas. Havia uma acusação séria apontado que o casal, Monique e Jairinho, teria sido responsável pela morte do Henry, filho da Monique e enteado do Jairinho", contou o médico.

O perito foi contratado como assistente técnico com o propósito de revisar a investigação, principalmente os elementos periciais, para verificação se isso era compatível com a acusação que estava sendo feita, ou não.

"A história que nós temos é a de que na madrugada da data do óbito o Henry estava dormindo na cama do casal, que estava assistindo televisão num outro cômodo do apartamento e, ao levantarem durante a noite para irem para a cama, enquanto Jairinho foi ao banheiro, Monique vai para o quarto e encontra Henry caído ao lado da cama, inconsciente. Ato contínuo, ela chama Jairinho e eles pegam a criança e levam para o hospital. Eles optaram pela emergência do Barra D'Or, que fica mais próximo. Lá o Henry recebeu toda a assistência de uma criança que chega inconsciente ao hospital, atendimento esse que se prolongou por quase duas horas e que passou por vários procedimentos, inclusive intubação. Fizeram radiografias para verificar a posição do tubo e ao final desse procedimento foi constatado o óbito da criança. De acordo com o prontuário do hospital, as médicas plantonistas daquela noite ficaram em dúvida quanto à causa da morte. A dúvida inicial é o que houve para a criança ficar inconsciente e de que o menino morreu", relatou o professor de Medicina Legal.

Um fato que chama a atenção na investigação é o acúmuldo de laudos, seis. Segundo o doutor Sami, uma das tarefas mais importantes na investigação é a realizada pelo médico legista - ele é o responsável por coletar os elementos que estão disponíveis no corpo e que podem levar à causa da morte que precisam ser esclarecidas. É este laudo que dá materialidade para uma acusação ou denúncia. Existem protocolos recomendados internacionalmente e uma deles é que o legista tenha o máximo de informações possíveis sobre o que aconteceu antes de fazer o exame do cadáver. O legista precisa saber o que foi feito no hospital para que possa não confundir o que pode estar relacionado com a causa da morte com aquilo que foi produzido durante o atendimento hospitalar ou atendimento do Samu, e neste sentido a investigação é muito confusa.

De acordo com o médico, a primeira coisa que se constatou no exame dos registros é que houve um laudo e mais cinco complementações. De acordo com Dr. Sami, o legista não tinha a menor noção sobre o que se passou antes da chegada do Henry ao hospital e o que foi realizado na emergência. A segunda questão é que esse exame deve ser realizado da maneira mais minuciosa e cuidadosa possível, começando pelo exame externo e terminando com o exame interno e, nesse meio tempo, produzindo um exame fotográfico de tudo o que está sendo visto. Todo esse ritual é importante porque os legistas não são infalíveis e as fotografias não servem apenas para registro, para ser apresentado num tribunal, mas também para que possa ser revisado por outro profissional.

"E o que se vê no caso Henry é que não houve fotografias e somente numa complementação. Lá pelo quarto, quinto laudo, surgem fotografias incompletas, parciais, que o próprio perito não sabe dizer de onde saíram e quem produziu. Ninguém sabe quem produziu essas fotografias. Quando vamos para o laudo, o mais evidente que surge dessa ausência de comprovação sobre o que houve antes e o que foi feito depois está em radiografias que foram tiradas no hospital e que tivemos que brigar muito para ter acesso. Fui eu quem descobriu a existência dessas fotografias e que elas não estavam no processo. E quando ela vem para o processo, demonstra que o Henry sofreu uma série de lesões no hospital produzidas por medidas de reanimação. As medidas de reanimação de um adulto ou de uma criança são necessariamente traumáticas, não há como produzir respiração artificial, não há como produzir massagem cardíaca com objetivo de fazer circular sangue que não seja de maneira traumática. Ou seja, a própria medida reanimadora pode ser a causadora de uma morte. Também não está claro nos registros do hospital se a criança chegou em parada respiratória ou se chegou apenas desacordada e se tentaram medidas básicas de reanimação enquanto se verificava se o menino estava em parada cardiorrespiratória. No prontuário do hospital não há registros da condição em que o Henry chegou ao hospital, se desacordado, mas com alguns sinais vitais, ou morto".

Sami Jundi diz que há elementos suficientes no processo que levam a acreditar que o que aconteceu foi um acidente doméstico - com uma criança pequena caindo da cama e batendo com a cabeça no chão - que terminou com óbito, indesejado por todos. E pior, com uma mãe, que perdeu o filho, e um padrasto, que perdeu o enteado, os dois acusados de um crime que não cometeram.