Morre Preta Gil, aos 50 anos: uma trajetória marcada pela arte, coragem e reinvenção

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A cantora, atriz, apresentadora, empresária e ativista Preta Gil morreu neste domingo, aos 50 anos, após enfrentar uma batalha pública e comovente contra um câncer no intestino. Filha do músico e ex-ministro Gilberto Gil, ela faleceu cercada pelo carinho de amigos, familiares e uma legião de fãs que acompanharam cada passo de sua trajetória – da arte à dor, da irreverência à resiliência.

Diagnosticada em janeiro de 2023 com um adenocarcinoma colorretal, Preta encarou quase dois anos de tratamentos intensos, cirurgias, internações e esperanças renovadas. Mesmo diante dos piores prognósticos, ela jamais se afastou das redes sociais ou do público, compartilhando sem filtros sua vulnerabilidade, suas dores, seus medos e também sua fé na vida. “Entro em uma fase difícil. No Brasil, já fizemos tudo que podíamos. Agora, a minha chance de cura está no exterior, e é para lá que eu vou”, declarou, em 2025, durante o programa Domingão com Huck, já em busca de terapias experimentais nos Estados Unidos.

Mesmo lutando contra a doença, Preta seguiu vivendo com intensidade. Em agosto de 2024, celebrou os 50 anos com uma festa para 700 convidados na Zona Portuária do Rio, dias antes de lançar sua autobiografia Preta Gil: Os Primeiros 50, um relato sincero de uma vida marcada por superações, amores e rupturas. Poucos meses depois, em dezembro, ela passou por uma cirurgia de mais de 18 horas para remover tumores em diversos órgãos. Em 2025, buscou tratamentos no Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, uma das mais prestigiadas instituições do mundo no combate ao câncer.

Uma artista múltipla, uma mulher fora dos padrões
Preta Maria Gadelha Gil Moreira nasceu no dia 8 de agosto de 1974, no Rio de Janeiro, em meio ao universo artístico da família Gil. Desde cedo, esteve cercada por grandes nomes da música brasileira. Sua madrinha era ninguém menos que Gal Costa, figura que exerceu um papel afetivo e simbólico crucial em sua formação emocional e estética.

Lançou seu primeiro disco, Prêt-à-Porter, em 2003, um álbum que causou polêmica já na capa, onde aparecia nua, quebrando tabus sobre corpo, sensualidade e padrões estéticos. “Se eu fosse magra, ninguém falaria nada”, disse na época. Com esse gesto, Preta inaugurou uma postura pública combativa contra a gordofobia e os estereótipos femininos, tornando-se símbolo de aceitação corporal e de empoderamento feminino.

Ao longo da carreira, lançou álbuns como Preta (2005), Sou como sou (2012) e Todas as cores (2017), além do popular Bloco da Preta, criado em 2009 e que rapidamente se tornou um dos blocos carnavalescos mais populares do Rio, atraindo multidões e celebrando a diversidade.

Ativismo e representatividade
Mais do que artista, Preta Gil era uma militante da alegria e da liberdade. Bissexual assumida, tornou-se uma voz poderosa em defesa da comunidade LGBTQIA+, dos corpos fora do padrão e das mulheres negras. Com sua franqueza e autenticidade, construiu uma ponte entre o entretenimento e o ativismo.

No campo empresarial, destacou-se como fundadora da agência Mynd, criada em 2017 ao lado de Fátima Pissarra e Carlos Scappini. A empresa, especializada em marketing de influência, música e entretenimento, tornou-se referência no setor, alçando personalidades diversas ao mainstream e oferecendo uma plataforma para vozes marginalizadas.

Carreira além da música
Além dos palcos e microfones, Preta também marcou presença na televisão e no cinema. Atuou em novelas como Caminhos do Coração (2007) e Cheias de Charme (2012), e em filmes como Billi Pig (2011) e Filho da Mãe (2022), este último um tributo a Paulo Gustavo. Apresentou o programa Vai e Vem, no canal GNT, discutindo abertamente temas como sexualidade e tabus sociais.

Vida pessoal e afetos
Filha de Gilberto Gil e Sandra Gadelha, Preta foi mãe jovem. Seu único filho, Francisco Gil, fruto do casamento com o ator Otávio Muller, seguiu os passos musicais da família. Posteriormente, ela se casaria duas vezes: com o mergulhador Carlos Henrique de Lima e, mais recentemente, com o personal trainer Rodrigo Godoy, com quem viveu por oito anos. A separação veio em 2023, após ela descobrir uma traição durante o tratamento da doença, episódio também abordado em sua autobiografia.

Na vida pessoal, Preta nunca escondeu quem era. Falava abertamente de suas relações com homens e mulheres, de suas inseguranças e de sua trajetória emocional, da infância vivida no Rio de Janeiro à dor de perder o irmão Pedro, vítima de um acidente de carro em 1990.

Um legado que vai além da arte
Preta Gil foi uma mulher que desafiou convenções. Fez da sua vida um palco, mas nunca uma encenação. Cada gesto, cada postagem, cada música foi atravessada por uma visceralidade rara na cultura pop brasileira. Ao compartilhar sua luta contra o câncer de forma pública, ela não apenas buscou apoio, mas criou uma rede de empatia coletiva.

Ao receber o Prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo, em 2024, declarou: “Sei que fiz a escolha certa em dividir com as pessoas as minhas vulnerabilidades e meus sofrimentos. Mas com a cabeça erguida, como sempre foi, desde o começo”.

Preta Gil não era apenas filha de Gilberto Gil, afilhada de Gal Costa ou mãe de Francisco. Era uma mulher que construiu sua própria voz em meio a aplausos e silêncios, alegrias e dores. Seu legado é de amor-próprio, autenticidade e coragem.

Por Gazeta Rio/Micheli Faria