Cientistas fazem suas apostas para um mundo pós-pandemia

Alberto Chebabo, vice-presidente na Sociedade Brasileira de Infectologia e infectologista da UFRJ - Foto: Reprodução da internet

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Teremos uma vida normal em 2021? Quando seremos vacinados? O que nunca mais será como antes? Essas vacinas não foram feitas rápidas demais? Essas e outras questões que afligem a maioria das pessoas foram respondidas por dois dos principais profissionais de saúde do Estado do Rio de Janeiro, que tem atuado no Brasil na luta contra a pandemia de covid-19, os infectologistas Alberto Chebabo e Edimilson Migowski.

O FLU - A vacina representa um retorno completo para nossas vidas do jeito que elas eram antes da pandemia?

Chebabo - A vacina vai representar um retorno completo para nossas vidas muito semelhante ao que era antes da pandemia, talvez não igual. Mas não vai ser um retorno rápido, imediato. A gente vai precisar vacinar uma grande parcela da população para isso ter impacto na redução da transmissão do vírus. Enquanto a gente não conseguir vacinar entre 60% a 70% das pessoas, não vai haver redução na transmissão. Isso certamente vai demorar a acontecer. Primeiro precisa ter essas doses todas, lembrando que quase todas as vacinas são duas doses, ou seja, para vacinar 100 milhões de pessoas será preciso 200 milhões de doses. Além de toda logística de transporte e aplicação que certamente vai demorar meses. Então é provável que isso se estenda até o final de 2021, ainda porque por aqui a vacinação nem começou.

Migowski - A vacina precisa mostrar que é segura e eficaz. Sendo, como eu torço e espero, meu pensamento é bem otimista, a gente pode retomar as nossas vidas, talvez não do jeito que era antes da pandemia, mas com um pouco mais de cuidado, o coronavírus não vai ser o último vírus a causar pandemia, logo, os hábitos de prevenção devem ser mantidos mesmo já com a vacina.

O FLU- Nossos hábitos de saúde e higiene, assim como nossa forma de encarar o que é saudável precisa ser modificada após a covid-19? Máscaras, por exemplo, vieram pra ficar?

Chebabo - Com certeza nossos hábitos vão mudar, algumas coisas deveriam ficar, principalmente o uso do álcool em gel na higienização das mãos, porque é um hábito saudável. O uso de máscara certamente vai desaparecer conforme a transmissão for caindo, mas a máscara para quem tem qualquer sintomatologia respiratória viral é algo que deveria ser mantido como forma de não transmitir a doença para o outro. Mesmo que quem tem sintomas leves essa é uma boa medida de higiene pessoal e de não contaminar outras pessoas na rua, no transporte público e no trabalho. Óbvio que não estamos falando para o uso de máscara em quem está saudável. Mas a redução de aglomeração em ambientes de trabalho, como os espaços de escritório com baias coladas umas nas outras provavelmente deve mudar. Até por conta do home office, essa estrutura de reorganização, e ventilação dos ambientes vai sofrer um impacto efetivo em um futuro próximo.

Migowski - Em relação aos nossos hábitos de saúde e higiene, eu espero que algumas medidas como o uso da máscara, principalmente para pessoas enfermas com suspeita de doença infecciosa, seja um comportamento comum, como nós observamos no sudeste asiático. Lá, quando você vê uma pessoas usando máscara no metrô ou nas vias públicas, não é por medo do outro, mas em respeito a ele. Isso quer dizer que a quem está com a máscara está com um quadro infeccioso e sinaliza para as outras pessoas ficarem distantes. Assim como o uso do álcool para a higiene das mãos. Tradicionalmente o brasileiro é um povo que tomava muitos banhos, mas lavava pouco as mãos. Mas o ideal é lavar as mãos várias vezes ou usar o álcool 70, não só para prevenir a covid-19, mas outras doenças infecciosas, como conjuntivite, diarréia, resfriado, entre outros.

O FLU- Antes da pandemia as pessoas queriam morar e viver aglomeradas, quanto mais proximidade de tudo e de todos, melhor. Acredita em uma mudança na forma de encarar o estilo de vida urbano daqui pra frente?

Chebabo - O estilo de vida urbana certamente terá um impacto. As pessoas aprenderam que elas podem trabalhar a distância na maior parte das atividades. Isso traz qualidade de vida. As pessoas podem estar em uma casa fora dos centros urbanos, na praia, na serra em uma cidade pequena, e mesmo assim interagindo com todos através da internet. Então é essa história de morar em cidades grandes, com transportes públicos lotados ou engarrafamentos, tende a mudar. Os escritórios lotados com ambientes muito fechados pode dar lugar ao home office mais organizado, inclusive com controle de pontos, horários, até mesmo para que não haja excesso de trabalho.

Migowski - O ser humano precisa viver em sociedade. Mas espero que as aglomerações sejam mais cuidadosas, que as pessoas que estejam com sintomas de alguma doença infecciosa, que elas comecem a ter mais respeito pelas outras pessoas. E ai, diminuir a transmissão desse e de qualquer outro vírus. O brasileiro, e todo povo latino, é muito sinestésico, gosta de beijar, abraçar, mas eu acho que isso pode ser repensado, a partir dessa pandemia talvez as pessoas se tornem mais criteriosas nos contatos.

O FLU - Que lições vamos levar dessa tragédia ocasionada pelo coronavírus? O que aprendemos com a chegada e com a luta contra essa pandemia?

Chebabo - As lições são muitas, mas a principal é respeitar o meio ambiente. Quanto mais a gente o agride, invade, usa de forma inconsciente, mas a gente vai estar exposto a esses novos vírus e pandemias. Isso é um aprendizado para as gerações mais novas, para que a gente se proteja e evite novas pandemias desse tipo. A outra questão é a qualidade de vida dentro das cidades em termos de aglomeração. Acredito que a gente vai ter a redução de pessoas vivendo em cidades grandes, mas as cidades menores vão ter que se estruturar para oferecer, por exemplo, educação de boa qualidade, internet de alta velocidade, entre outras coisas, para esses moradores que vão exigir isso. Não vai ser mais preciso estar uma cidade grande para ter a estrutura adequada. Nos próximos 30, 40, 50 anos a gente vai ter impactos ainda dessa pandemia, em função desses 1, 2 ou 3 anos que viveremos com esses vírus de uma forma tão intensa e disseminada, que mudou completamente nossa forma de viver e interagir.

Migowsky - A lição que a gente leva dessa tragédia mundial é a de tentar estabelecer um estilo de vida mais saudável. As pessoas que pagaram o maior preço nessa pandemia, são as pessoas obesas, fumantes, hipertensas, diabéticas, ou seja, com comorbidades. Isso foi um fator determinante, certamente se as pessoas tivessem um estilo de vida mais saudável, como comer ou dormir melhor, fazer atividade física, gerenciamento do estresse, não abuso de drogas lícitas e ilícitas, e maior contato social, mesmo que on-line, certamente teriam adoecido de forma menos grave. A lição então é estabelecer um jeito mais saudável de viver, para reduzir o risco de doenças não só infecciosas, mas coronarianas, metabólicas enfim, uma medicina de estilo de vida é o que eu desejo que fique como legado para o mundo.

O FLU- Pela primeira vez a humanidade foi capaz de criar uma vacina tão importante e tão pouco tempo. Isso nos torna mais capazes de curar outras doenças já existentes assim como enfrentar novas que possam surgir? Chebabo -O mais importante em relação às vacinas foi não só o desenvolvimento rápido, mas também o desenvolvimento de novas tecnologias de produção. Essas duas novas vacinas que a gente tem são também tecnologias novas que poderão ser aplicadas para o desenvolvimento de vacinas para outras doenças. Isso é muito importante tanto para novos vírus quanto para doenças antigas, melhorar a resposta e a produção como por exemplo, para influenza, que hoje tem uma eficácia baixa, deve melhorar em um futuro próximo. Mais do que o desenvolvimento rápido, o mais importante é a tecnologia que permite a produção maior e mais segura para a população.

Migowski - Embora a gente tenha a percepção de que o ser humano foi capaz de criar uma vacina tão importante em tão pouco tempo, eu destaco que um trabalho realizado em 2003, portanto há 17 anos, já nos deixou algumas bases de pesquisas. Já havia um histórico de desenvolvimento de vacinas. Várias bases tecnológicas foram estabelecidas e pode ser que amanhã ou depois a gente tenha condições de evitar doenças provocadas por outros vírus num espaço curto de tempo, tendo em vista que algumas metodologias têm sido validadas nas vacinas desenvolvidas para combater o novo coronavírus. Poderemos enfrentar novas pandemias com mais competência do que temos enfrentado a pandemia atual. Espero sinceramente que se porventura surgir uma nova pandemia que a decisão nas condutas sejam adotadas única exclusivamente com critérios técnicos e não com influência política, seja ela qual for. Se não tivéssemos tantos vieses políticos, tenho certeza que tantos a vacinas quanto os medicamentos estariam em um patamar mais avançado do que hoje se encontram.