Podemos eliminar o câncer de colo uterino?

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Por Cláudia Jacyntho, PhD em Tocoginecologia pela Unicamp; mestre em Ginecologia pela UFRJ; membro titular da Academia de Medicina-RJ, a convite do professor Aderbal Sabrá e professora Selma Sabrá, especial para O FLUMINENSE

Um esforço mundial se iniciou em agosto de 2020, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com apoio de sociedades científicas, inclusive da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC), rumo à aceleração da eliminação do câncer de colo uterino, pretendendo que se consiga incidência de menos de 4/100 mil mulheres por ano em décadas, o que poderá ser alcançado antes em alguns países onde a vacinação anti-HPV atingiu suas metas, como a Austrália, por exemplo, mas devemos somar esforços para diminuirmos o máximo que pudermos em nosso país, onde a incidência é de 15,5/100 mil mulheres ao ano, de acordo com os dados do INCA, estando entre as principais causas de morte por câncer nas mulheres e sendo câncer passível de prevenção primária com vacinas anti-HPV, vírus que quando são os de alto risco causando infecções persistentes, com cofatores infecciosos e imunológicos, deflagram as lesões pré-neoplásicas cervicais uterinas, que se não diagnosticadas e tratadas com a prevenção secundária, realizada com citologia de Papanicolaou e/ou testes de HPV, evoluem para o câncer de colo uterino.

Por serem preveníveis, a OMS lançou a campanha de se ter esforço mundial para vacinar 90% das meninas até 15 anos, oferecer teste de DNA-HPV duas vezes entre 30/45 anos e tratar 90% das lesões encontradas, numa força-tarefa para eliminar praticamente este tipo de câncer, o que deve acontecer em cem anos, se os esforços conjuntos existirem no mundo todo, pois morrem mais de 300 mil mulheres por ano por essa patologia e trata-se da quarta causa mais frequente de mortes por câncer em mulheres. No Brasil, 6.600 mulheres morreram dessa doença em 2019, com taxa de mortalidade de 5,3/100 mil mulheres, segundo o INCA. Temos, portanto, valores intermediários de incidência e mortalidade em relação aos países em desenvolvimento, com variações regionais nesse país continental, onde as maiores taxas encontram-se na região Norte. Vale ressaltar que 85% dos cânceres de colo uterino ocorrem nos países mais pobres, denotando que é um grande problema mundial de saúde pública, conforme declarado desde 2018 pela OMS.

É um câncer raro até 30 anos e tem seu pico entre 45-50 anos, encontrando barreiras na prevenção principalmente por falta de cobertura adequada da população feminina com exames de screening entre 25-65 anos, como preconizado pelo Ministério da Saúde, seja por desinformação ou dificuldade de acesso às unidades de saúde, dentre outros fatores. As mulheres imunossuprimidas são mais susceptíveis à doença, sobretudo as que convivem com o HIV, devendo iniciar o rastreio após o início da vida sexual e mais amiúde, assim como podem ser vacinadas para HPV pelo SUS desde os 9 aos 45 anos de idade, extensão etária nesse grupo desde agora, março de 2021, enquanto que para as meninas da população geral permanece a idade de 9 a 15 anos incompletos, necessitando reforçar que devem vacinar sem medo, pois a meta está aquém da desejada para prevenção necessária. Apenas para informar, os meninos de 11 a 15 anos incompletos também podem vacinar-se no Brasil, pelo SUS. A vacina brasileira no SUS é a quadrivalente, contra HPVs 6,11,16,18, protegendo cerca de 70% contra câncer de colo uterino e 90% de verrugas genitais, assim como também protege para cânceres de cabeça e pescoço e de canal anal, induzidos por HPV e cofatores.

O Brasil iniciou vacinação contra HPV para meninas em 2014, atingindo a meta com a primeira dose, porém o mesmo não ocorreu com a segunda dose, que chegou apenas a cerca de 40% de vacinação com as duas doses, mantendo níveis de vacinação abaixo do preconizado pela OMS, mesmo pré-pandemia, com quedas importantes desde o início da mesma, exigindo esforços redobrados para vacinarmos 90% de nossas meninas agora. O mesmo para os meninos, aproveito para salientar, mesmo que o assunto seja câncer de colo uterino, ocorrendo obviamente em mulheres e em homens/pessoas que têm colo do útero, que devem fazer prevenção da mesma forma.

Concluímos frisando a importância da vacinação de seus filhos contra HPV, por ser vacina segura segundo a OMS e vários ensaios clínicos, assim como estudos de modelagem mostram que vacina anti-HPV com ampla cobertura (90% ou mais) pode diminuir a incidência de câncer de colo uterino em países de baixa e média renda em até 90% em 100 anos, prevenindo 60 milhões de casos novos. Precisa-se de programa de rastreamento organizado como há na Austrália, com vacinação maciça e prevenção secundária abrangente, onde espera-se que em até 2028 caia a incidência para menos de 4 casos/100 mil mulheres, o que será um grande evento, servindo de exemplo para lutarmos aqui no Brasil também com a campanha vacinar 90% das meninas, triar 70% das mulheres, oferecendo dois testes de HPV entre 30/45 anos ou fazendo exames de Papanicolaou entre 25/65 anos a cada três anos após dois consecutivos normais até termos os testes de HPV pelo SUS e tratando 90% das lesões pré-neoplásicas e neoplásicas encontradas, para que também em algumas décadas consigamos praticamente eliminar o câncer cervical uterino, câncer este prevenível.

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