"A alma quer mais"

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Dom José Francisco*

Vivendo esse tempo dramático da pandemia, experimentamos momentos de solidão. Mas como enfrentar esse momento, se, justamente, o maior medo que temos é o da solidão?

É claro que você não se lembra, mas, quando começou, você estava sozinho. Naquela primeira traumática separação, quando todas as suas necessidades estavam satisfeitas, no mundo quente do útero, de repente, você foi expulso ou você mesmo se expulsou, para cair num planeta frio e rodopiante. Essa queda foi tão vertiginosa que você nunca mais pôde voltar a viver aquilo que perdeu. E dessa perda ficou uma cicatriz no coração e ela arde, toda vez que nos sentimos abandonados e sós.

No começo, nem sentimos que o vazio existe. Mas no meio-da-vida, todo mundo já teve de confrontar-se com perdas: ou os pais já se foram ou o casamento já se foi ou os filhos já partiram ou tudo isso junto e ao mesmo tempo. Nesse momento, para se erguer inteiro sobre você mesmo, será preciso abandonar duas fantasias infantis. A primeira é a de que somos o centro do universo. A segunda é que lá fora, em algum lugar, existe um "outro mágico", que irá nos salvar do nosso isolamento existencial. Porém, sabemos que ninguém é o centro de nada e não existe mágica alguma.

A solidão é o fato central e inevitável da existência humana. Estamos sempre sós, na nossa dor. O outro pode estar ao nosso lado, mas nunca dentro de nós. Pode compartilhar, mas nunca saber o que, realmente, nos acontece.

Por isso, a alma buscou transcendência. Ela se cansou de procurar por aqui, de se iludir por aqui, de ficar só aqui. A alma quis mais: ela quis Deus. Não dar Deus a ela, é mais que não dar água ao sedento, liberdade ao pássaro, oceano ao peixe, e ar a quem respire.